UM BLOG DEDICADO AO SURREALISMO DA MINHA MENTE. COM POEMAS, SONHOS E TEXTOS.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Casa Velha



A Sala fica vazia
Mas eu ainda estou lá
Antes do acontecido
Nada me prendia
Hoje me encontro no vazio a esperar

O mundo corrido me deixou mais sossegada
Mas ainda não consigo deitar e dormir
De noite surge tudo o que não me passou durante o dia

Aquela sala continua vazia...
E seus móveis continuam os mesmos
A penumbra é a mesma

As coisas andam sem cor lá fora
Será que drenaram as cores da vida?
Não me incomodo, pois daqui não sairei

Estou a esperar...
Já faz tanto tempo
Nem sei precisar quanto
Talvez alguns anos

A sala está fria
Com suas paredes verdes
Com seu piso de madeira escura
Com a lareira inutilizada

Pela janela se vê a neblina
E nem estamos no inverno
Talvez só queira avisar
Que os sonhos foram dissolvidos

O teto está tão velho
Cairia sobre minha cabeça
O relógio está parado
E a cortina nem se movimenta

Se ouve barulho de carro
Tão velho quanto essa casa
Gente sai e gente entra pelas casas
Mas ninguém se cumprimenta

Ainda espero...
Mesmo que pela eternidade
Mantendo a castidade da minha palavra
Vou esperar

Na sala escura e mofada
No tapete gasto
Ao pé da mesa roída
Olhando a luz fraca do abajur

Barulho na escada
Gente chegando
Não...
Era o gato entrando pela portinhola

Do chão se vê o teto
Suas molduras
A tinta gasta do batente das portas
As janelas fechadas
Com a exceção de uma
A única que mesmo daqui vejo o luar

Nem que seja uma míngua de lua
O brilho chega até mim
E ilumina meus cabelos esparramados
Meu corpo largado
Torcido para a direção da porta

O silêncio é ruidoso
Nessa calada atmosfera
Tudo é tão mudo
Nem sequer um miado

Eu disse
Vou esperando
E observando
Posso narrar tudo o que vejo
Durante mais 30 anos
E ainda terei mais o que narrar
Cada detalhe me chama atenção

Um filete de ouro no rodapé
Um veio de madeira em forma curva
Um arranhão no pé da poltrona
Um vidro trincado da cristaleira

Minhas botas jogadas perto da porta
Minha bolsa em cima da mesa de centro
Um livro embaixo do sofá
Um gato a me olhar

Um Jesus me estendendo as mãos
Um outro quadro com senhoras pintadas
O papel de parede com desenho de flor de lis
O velho baú ao canto da sala

As cadeiras com o estofado desfiado
As janelas escuras com o verniz descascado
O vidro embaçado, a lua a me olhar

Já está na hora de aquecer o coração dessa velha casa
Tentarei acender a lareira
Com meu isqueiro e as folhas do diário
Que não servem mais para nada
Além de lembrar os fatos não ocorridos

E vou destacando as paginas
A festa que não aconteceu
O encontro que não vingou
O presente que não chegou
A música que não ouvi
O crepúsculo que não presenciei
O horizonte que não busquei
A poesia que não escrevi
A carta que não mandei
O livro que não li
O rapaz que não amei
A dama que não fui

O olhar que não deixei
A cama que não arrumei
O juízo que não me apareceu
O calor que não resfriei
A nudez que não pedi

Foi o único dos não ocorridos que fizeram menção de um fato
O resto foi ensaio
E não saiu do papel
E se agora sai
Vai para o fogo
Para aquecer meu corpo
Para que tenha força para lutar pelo que ainda lhe resta
O que ainda está por vir
Que não ficará na página de um caderno qualquer de anotações


Fim do Primeiro Capítulo
Bi Manson