UM BLOG DEDICADO AO SURREALISMO DA MINHA MENTE. COM POEMAS, SONHOS E TEXTOS.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Carta à demêcia

O mundo se desfez em questão de segundos. Você estava a me olhar de longe. Como sempre esteve. Eu cansada dessa monotonia, desse desenrolar todo. Suas palavras sempre me soam como santas e quando as ouço encontro um caminho. Você foi meu deus em alguma era. E as vozes em minha cabeça se excitam com o som de sua voz e sua melodia.

Eu não fui anexada ao mundo dos outros. Estou sozinha e à parte, minhas cicatrizes abrem a cada acorde de sua guitarra maldita. E mesmo suas palavras que escondem tantos significados, me soam vazias.

Ao meu redor somente pessoas vazias, cheias daquilo que não serve para nada. Sem atitude, sem ideologia, somente o que as leva de um lado para o outro. EU ODEIO e o ódio impregnou em mim. Com todos esses anjos ao meu redor, todas as cartas ilustradas com formas angelicais, eu sinto o puro ódio de ser uma fracassada nesse mundo tão idiota.

Agora que encontrei sua xérox quebrada é tardio... muito tardio, pois fui contaminada pelo bicho da verdade, das paredes de vidro, que enxerga as coisas e não passa por cima delas. Evolução!!!!

Eu os odeio! Esses que não saem de seus lugares, que não fazem nada, que me atrapalham.

Eles iriam preferir que eu estivesse morta mesmo. Eu me sinto linda às vezes e fútil e mascarada para me igualar à eles, para fugir da minha neurótica visão do mundo.

Você sempre esteve aqui para me salvar e me reerguer, quando penso que sumiu... Você vive num canto obscuro da minha mente doentia. Da minha mente fantasiosa, desse teatro que existe aqui nessa caixa cheia de massa e sangue.

Te odeio por me fazer assim, por aumentar as vozes na minha cabeça. Eu odeio o amor eu amo o ódio, isso foi o que aprendi contigo! Satisfeito?

E não mais vou sorrir quando o demente voltar, quando me perturbar. Quando vier com sua vida vazia, se encaixar na minha, quando quiser fornicar! Que vá fornicar com o diabo!

Para o inferno!

O tanto que evoluí e me pacifiquei em poucos dias, tudo quebrado. Se assim queria, conseguiu. BASTARDO!!!

Eu me entupo de remédios para olhar para a sua maldita cara! Eu pago analista para poder te ouvir e não vomitar! Eu te odeio por ter que te odiar. Porque é tão patético que eu gosto de me afrontar.

E você, meu deus da loucura. Quando estou para cair me empurra do precipício, empurra-o também. Que se espatife. Vou rir!

Vou rir de você se mijando de medo de mim, porque no fundo sei que é um completo covarde, nada mais do que completo.

Sua torre gigantesca não te garante o direito de ser dono de tudo ao redor, presunção... Acomodação. Como pode ser tão nulo? Não enxerga sua própria merda em meio a toda essa realeza, ao seu olhar superior.

Nasceste à semelhança do meu deus, mas ele vale de algo, ele é completo, ele tem tudo o que você não pode sonhar em ter. Você é o bobo da corte que nos faz rir.

Está dopado por essa sociedade de merda! você não serve para mim você é uma droga! Eu não gosto das drogas, mas elas gostam de mim. Seu merda!

Eu grito palavras de baixo calão e depois me toco intimamente, sou tão imunda quanto a sua cara de culpa, dor ou de ser que não sabe se expressar. Deveria se vender para valer algo.

Por fim, sei que vai voltar com sua demência. Não digo que será tarde, será cedo... terá vindo cedo demais para assistir suas própria morte. Não me subestime, hipocrisia não faz parte do meu repertório, enfie suas malditas palavras doces em seu rabo.

Foda-se seus atos inúteis e suas tentativas frustradas de me domar de alguma forma. Ele criou um monstro, uma fera que vai te estraçalhar, com um doce sorriso angelical no rosto.

Eu já estou aí dentro, já te parasitei como um verme. Mesmo que se livre de mim, estarei em suas entranhas quando morrer, quando sentir as dores vai lembrar da minha existência que para você não passou de nada. De verme mesmo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um conto de fim de ano

Sentada estava no banco da praça central. No meio da tarde, esfriava um pouco. E eu estava mergulhada em meus pensamentos. Dentro de minha cabeça parecia que caía um temporal e meus olhos refletiam bem isso.

Um rapaz alto brincava com seu cachorro e eu os olhava, com um pouco de inveja daquela felicidade toda. Entre eles parecia haver uma ligação que eu jamais teria nem com alguém. Não era muito fã de animais, nem de pessoas. Nem de nada.

A vida me deixou um vazio após a morte de um gato que acabei me apegando. Foi no fim do ano que o adotei, mas passei um Natal triste, pois ele ainda não tinha se adaptado à minha casa e fugiu, voltou no Ano Novo somente. Mas foi somente no mês de Maio que criei certo vínculo com o bichano.

Abri minha bolsa e fui procurando uma blusa, havia esquecido. Putz, nunca saía de casa sem uma blusa. Os dois correndo me faziam sentir uma sensação de calor. Até que o frisbee veio em minha direção e bateu no banco, bem do meu lado.

Me encolhi duas vezes, pelo ataque do objeto voador e pelo grande cachorro que vinha babando em minha direção. Morria de medo de cães. E de que o rapaz viesse me dirigir à palavra. Ah e veio.

"Ele não morde!", disse correndo em minha direção e sentando-se ao meu lado, balançando a cabeça para tirar o cabelo do rosto. Tinha uma voz interessante.

"Ele poderia me comer, isso sim!", disse apavorada. Ele somente riu e ficou conversando como cachorro monstruoso. Ele tinha um olhar dócil, mas me amedrontava de alguma forma, lá no fundo do meu ser eu sentia um pavor.

"Passa a mão nele.", fui com a mão trêmula, porém não conseguia, o rapaz riu novamente, risonho e com aquele cabelo que não parava no lugar. Ventava um pouco e ele também começou a sentir frio. Jogou longe o frisbee e o cão foi atrás. Me senti mais aliviada.

O cão era de cor marrom, não entendo de raças de cães. Era grande, parecia ser daqueles que os cegos usam. Isso, eles deveriam ser somente para cegos, só um instrumento... Cães são estranhos.

Bem, ficou aquele silêncio constrangedor, até o cara me perguntar se eu estava com frio. Nem precisava responder, meus pêlos estavam eriçados e eu me encolhia, visivelmente estava com frio.

"Ah eu devo ter uma blusa no carro, vou buscar pra você, cuida do meu cachorro? Ele não foge, é acostumado a ficar por aqui".

"O-ok", respondi com frio e medo. Pensei em sair e deixá-lo ali. Mas não sei, aquele cachorro me causava uma coisa bem intrigante. O medo de perder o medo. Às vezes eu desejava não me apegar a nenhum ser com medo de acabar perdendo um dia.

Como o gato, não gostava tanto assim dele, mas quando ele se foi me causou um vazio extremo, não conseguia mais fazer as coisas mais simples da minha vida. Não chorei, mas fiquei muito triste. A ponto de não sair por meses. De desviar de gatos, de detestá-los.

Fiquei olhando para a cena do cão brincando com outras pessoas. O dono volta e me trás a blusa. "Ah! Mas...", não sabia o que dizer, eu não pedi, sei lá... Nem pensei que era para mim.

"Eu não posso, me desculpe, já me vou.", ainda o ouvi gritar: "Vai morrer de friiio!".

Olhei para trás e o "cãozinho" pulava e o lambia todo. Uma cena nojenta e agradável. Mais uma vez fugi de cães e pessoas. No fundo me sentia com vontade de revê-los.

***

Outro dia estava em casa. A janela embaçada pela quentura do forno. Estava assando um pão, lembrei de Kennedy, quando levou uma bala na cabeça. Assim morreu. Eu senti muito. Ah, Kennedy era meu gato.

Ele dividia as noites frias comigo, sentado em meu colo. Um dia foi atropelado por um policial, agonizava, autorizei a execução. Me despedi com um aceno apenas: "Adeus Kennedy".

Dormi muito mal essa semana, tendo sonhos estranhos e os dois estranhos não me saíam do pensamento, uma inveja tremenda tomou conta de mim. Sem quase o que comer em casa, depressiva pela TPM, fui a um Café.

Pedi um pedaço de torta e me sentei sozinha numa mesa que dava de frente para a rua. O movimento me causava certa tranqüilidade, eu conseguia ver calma no caos e caos na calma. Um dom que não servia para nada.

Olhando as faixas de pedestre e as pessoas atravessando de mãos dadas aos mais novos. Idosos, jovens, executivos e todo o tipo de gente. Eu não me sentia só, me sentia comigo mesma e vazia.

Vi uma face conhecida atravessar a rua, de capuz, correndo na tentativa de pegar o sinal aberto. Empurrou a porta e o sininho tocou. "Me vê aquele capuccino!". Olhou para mim: "Olá moça que gosta de sentir frio!".

Apenas sorri um sorriso tímido e sem gosto. Daqueles que você não espera serem sorridos, que na verdade é uma forma de dar tchau, de desviar, de encerrar uma possível conversa.

Pegou o capuccino e sentou-se à mesa comigo. Olhou pela janela e seu semblante de rapaz de bem com a vida e contente foi sumindo aos poucos. "Há coisas que só encontramos nas pessoas sabia?". E continuou a olhar... Olhava para uma loja de livros: "Ela trabalhava ali".

"Sua mãe?" respondi inocentemente.
"Não, minha noiva. Foi dela que ganhei aquele cachorro. O incrível é que não foi ela quem me ensinou a amar, foi ele."
"E o que aconteceu a ela?"
"Me deixou, por um emprego melhor, por outra vida, por outro cara."
"Triste..."

Achei estranho compartilhar das dores de um estranho, me interessar assim. Peguei meu casaco, minha conta estava paga, estava achando aquilo estranho e resolvi me retirar.

"Hoje não vai morrer de frio!", me sorriu ainda triste e voltou a encarar a vidraça. Lá de fora eu via aquele rosto coberto de mágoas olhando para a livraria. Me senti mais vazia pois havia gostado de ver uma pessoa contente, se divertindo.

***

Acordei atrasada no dia seguinte, procurando meus textos, era o dia de levá-los na editora para avaliarem meus poemas. Não era escritora profissional, trabalhava num museu e às vezes com pesquisas free-lance numa empresa de restauração de obras de arte. Estava de férias, por mais de noventa dias.

Quando passei no psicólogo da última vez, achou melhor que eu me afastasse um pouco do convívio com as pessoas, era um distúrbio de não sei o que. Até hoje não entendo bem, porque meu psicólogo me chamou para passar as férias com ele em Paris. O importante é que tenho três meses para me recuperar do cansaço físico e mental.

Não que não gostasse do que fazia, mas não gostava de ter que me relacionar com as pessoas, às vezes me fechava demais e tinha comportamento estranho, agressivo.

Comecei a sentir falta de Kennedy, novamente, hoje pela manhã, após um sonho estranho em que ele vinha e me fazia carinhos ronronando. Ele nunca me fez isso. Nunca ninguém demonstrou afeto por mim. Por isso saí tão cedo de casa, já que não me identificava com ninguém e ainda não me identifico.

Meus papéis quase que saltavam da pasta. E eu corria escada abaixo, trombei com o vizinho do quarto andar, me desculpei e ele me chamou: "Ei! Deixou cair essa folha".

"Para um grande amor", estava escrito nela. E ele disse: "Por isso nunca aceitou meus convites de tomarmos um chá, me desculpe."

Dei de ombros e arranquei-lhe a folha da mão. Corei. Era somente um poema, nem sempre o que escrevemos é o que sentimos. Não mesmo. Foi numa fase de ódio, fase negra, corroia-me.

Estava no ponto aguardando um táxi e avistei do outro lado da rua o rapaz alto de cabelos esvoaçantes com seu cão e uma bela garota ao lado, abraçando-o de forma calorosa.

Abaixei a cabeça, fiz sinal e entrei no táxi. Em poucos minutos me pus a chorar. E o taxista me perguntava o porquê. Nem eu sabia. Era o nervosismo. Poesia era o meu mundo, se não aceitassem, se me reprovassem não iria mais conseguir escrevê-las.

Nesse dia deu quase tudo errado, havia perdido minhas contas a pagar que logo iriam vencer, cheguei atrasada e perdi a entrevista, voltei estranha e ainda tomei chuva.

Na entrada do meu prédio deixaram um caixote, estava no meio da porta. Afastei com os pés. E algo chorou, era um filhote, um cãozinho amarelado, parecia uma mini raposa. A chuva apertou e eu entrei. Pisei em minhas contas com o sapato sujo de lama.

Haviam deixado lá com um bilhete:
"Moça que gosta de sentir frio, deixou essa pasta no Café. Foi um custo achar seu apartamento, ninguém te conhece.

Ass: Dono do cachorro que te amedronta."

Me passou uma corrente elétrica pelo corpo, o frio. Corri e enchi a banheira. Da grande janela eu via a cidade toda, iluminada, já com decoração precoce de Natal. Sentei na borda da janela enquanto o barulho da água me confortava.

"Kennedy... nunca te fiz um carinho decente".

***

Após alguns dias em total reclusa, produzindo mais e mais poemas para uma segunda entrevista, me vi mergulhada em dúvidas que nunca tinham me surgido antes. Rasgando papéis, queimando alguns na lareira. Me desfazendo de tralhas, encontrei um número perdido, resolvi ligar.

"Por favor, quem fala?"
"Quem gostaria?"
"Me desculpe, achei esse número perdido, pensei que pudesse ser algum conhecido."
"Linda? É sua voz! Linda!"
"Quem fala? Por favor!"
"Eu deixei meu número no seu casaco, faz alguns meses, na última vez que nos vimos na biblioteca, você estava de cardigã vermelho..."
"Desculpe, foi engano."

Desliguei. E me desliguei. E desci as escadas o cãozinho estava ensopado e a caixa já se arrebentara toda, ele tremia e chorava. Peguei-o e subi correndo. Enrolei-o numa toalha e esquentei o leite, enchi a banheira e me pus a chorar com ele.

Ele gania... Como se tivesse perdido o rumo. Estava muito magro e debilitado, devia estar a quase uma semana sem se alimentar direito, meu Deus! Era só um filhote! Um bicho qualquer, eu nem gosto de bichos, como eu chorava.

Dei-lhe banho. Fiz um mingau e preparei uma cama no hall, fora do apartamento. Ele passou a noite chorando e o síndico me disse para ou colocá-lo para dentro ou jogá-lo na rua. Infelizmente não achei uma caixa seca para colocá-lo na porta do prédio novamente.

No meio da noite ele chorou e subiu na minha cama, eu estava cansada demais para despachá-lo e ele dormiu feito um gato encostado na minha barriga.

***

Era fim de semana e todos saíam para passear. Fui ao pet shop e fiz umas compras para o novo hóspede. Lembrei de quando deixei Kennedy no veterinário, após seu tiro na cabeça, quando me entregaram o corpo preparado para o enterro. Eu dei uns trocados para um velho e ele se livrou do corpo. Só não joguei no lixo junto com meus papéis e outros detritos porque os lixeiros haviam feito greve naquela semana, iria apodrecer.

Deixei o filhote com o veterinário e voltei para casa com a quinquilharia toda... No caminho avistei novamente o rapaz alto com seu cão e a moça bonita ao lado. Olhei para mim mesma, com minhas roupas de velha e me senti um pouco mal. Fui carregando as sacolas e ele me avistou, deixando o cachorro com a moça e correndo ao meu encontro.

"Moça que gosta de sentir frio! Hoje deve estar detestando né? Tá um calor! Eu gosto de frio também.", acenou para a garota como se pudesse levar seu cão para a casa e fez sinal que depois ligava.

"Foi fazer compras?"
"Ah não, são só bobagens."
"Eu te ajudo.", e pegou todas as sacolas.

Ele não quis me deixar subir as escadas sozinha e ainda me fez abrir a porta para que colocasse as sacolas num lugar de onde eu não iria mais ter que carregá-las.

"Aconchegante.", disse olhando ao redor.
"Obrigada."
"Posso usar seu banheiro?"
"Sim... Espera!!!", lá fui eu juntar a toalha que sequei o cachorro, espirrar um spray cheiroso e juntar pêlos dele que estavam pelo chão, não tinha tido tempo de limpar.

"Pronto!"
"Começou a chuva..."

Assim que ele voltou, a chuva apertou de forma que parecia que o céu ia desabar.
"Moça, já me vou."
"Ok, leva um guarda chuva."
"Não vai adiantar... Hã... estava esperando alguém?"
"Não, por quê?"
"Posso esperar a chuva amenizar? Desculpe o incômodo."
"Ah, sim."

Um estranho no meu sofá! Um estranho no meu sofá! Mudando o canal da minha TV e mexendo nos meus livros! Tem um estranho na minha casa!

***

Não demorou muito a chuva cessou de vez, mas a conversa estava até interessante, ele já tinha tido experiência com artes e esse foi nosso ponto em comum. Chamei-o para uma exposição que eu iria ser curadora, daqui a uns dois meses. Como eu fiz isso? Eu pretendia continuar a vê-lo? Não, o acaso esteve presente sempre nos nossos encontros.

Fiz um jantar de última hora bem caprichado, eu não estava acostumada a ter visitas na minha casa.

"E o que tanto você comprou?"
"Bobagens."
"Já vi que você é bem reservada, eu devo te causar desconforto."
"Jamais!", disse atônita. Era o vinho branco...

Calei-me. Ele entendeu a mensagem e foi se retirando.

"Aliás, não posso ficar te chamando de 'Moça que gosta de sentir frio', você deve ter um nome, certo?" e mexeu nas mechas que caiam no seu rosto.
"Rita."
"Brian Fantosi. Me chame de Fantosi se preferir."
"Tá".
"Devidamente apresentados, mesmo que tarde, vou indo.", me deu um abraço de despedida ou de apresentação, meu estômago doeu, comi demais.

Assim se foi e eu fui desembalando as coisas e criando um espaço para o novo hóspede temporário, porque assim que melhorasse ia despachá-lo. Não ia criar um depósito de pulgas no meu apartamento.

***

Passei mais dias compenetrada nas minhas produções, o dia da entrevista se aproximava e era minha última chance. Estava louca e meus sentidos me perturbavam, não escrevia coisas de boa qualidade, escrevia coisas estranhas. Coisas de pessoas que se gostam, coisas de pessoas felizes que andam de mão dadas e se beijam. Eu não queria mais sair de casa. Mas precisava de inspiração.

Fui ao parque e lá estava deitada na grama com uma roupa de velha e os cabelos semi-desgrenhados. A moça bonita, lá estava ela, abraçada com um homem mais forte, mais bonito. Me preocupei. Me preocupei muito... Afinal o que era Brian na minha vida? Um conhecido que me ajudou a carregar as sacolas e que um dia me ofereceu uma blusa. Só.

Meu celular tocou e na semana não atendia. Era do veterinário, havia me esquecido do bicho. Caramba! Levei uma bronca porque pensaram que eu tinha abandonado. Bem que ofereci um dinheiro a mais para que ficassem com o filhote de raposa do mato ou seja lá qual for a raça daquele pulguento.

Acabei levando ele de volta pra casa. E todos os dias saia com ele na coleira para tomar ar fresco, conforme indicação médica. Então num desses dias...

"Rita que gosta de passar frio!"
"Olá."
"Adotou um amigo também? Calma amigão.", disse puxando o monstro que queria comer a mim e ao filhote.
"Ah não, ele estava na porta do prédio, levei ao veterinário e quando melhorar vou arrumar um canto pra ele."
"Ele parece estar feliz com você, olha o olhar de gratidão."
"Não, deve ser fome, Kennedy fazia essa mesma cara."
"Kennedy?"
"Sim... Kennedy.", me deu um aperto no coração e voltei pensativa pra casa.

Deitei na cama e o cãozinho se deitou ao meu lado, por uma força oculta o abracei e comecei a chorar e pensei em procurar Brian, ele estava sendo enganado e ia passar pelas mágoas de novo e eu não veria mais a cena que me fazia feliz, o sorriso dele e o cachorro a pular.

"Você não tem um nome... será que precisa de um?... Roosevelt. Você vai crescer e ser tão forte quanto um presidente, assim era Kennedy."

***

Passei diversos dias só na companhia de meus papéis e de Roosevelt. Ele me lambia, pulava e eu achava ruim na maioria das vezes, até que não ligava mais. A cada dia que passava, a memória de meu gato morto se avivava e comecei a sentir o que nunca havia sentido antes, remorso.

Não só por ele, mas pelo sentimento que eu não deixei desenvolver. Pelas pessoas que passavam pela minha vida e eu as ignorava. Eu percebia mudanças e não queria aceitá-las.

Numa tarde, encontrei um papel embaixo da minha porta e era o telefone de Brian. Guardei num casaco que não usava e não saí de casa por duas semanas.

Faltava somente mais três dias para a entrevista que tinha sido adiada novamente há uns dias atrás.

Durante dois dias fui à praça para ver se encontrava inspiração, encontrei a garota bonita com Brian, os dois deitados na grama, mais o cachorro. Me senti estranha e não consegui mais escrever nada. Outro dia encontrei-o na padaria e me escondi atrás da prateleira de tortas.

Ontem ele veio aqui e eu não atendi, fingi que não estava em casa. Somente ao lado de Roosevelt me sentia melhor, estranhamente melhor, a ponto de levá-lo na praça para passear. E a cada dia Kennedy vinha me visitar nos sonhos, como uma assombração.

***

Acordei cedo para a entrevista e deixei Roos dormindo em minha cama, estava frio. Cheguei lá e deu tudo certo, adoraram minhas poesias e me ofereceram uma coluna numa revista literária. Disseram que meus poemas eram ótimos e que poderiam vir a participar de uma compilação.

Fiquei radiante com a notícia! Mas não tinha ninguém para ligar. Não tinha amigos, nunca tinha me incomodado com isso. Não que me incomodasse, mas seria legal dividir com alguém. Na volta ocorreu uma coisa, um cara tentou assaltar a moça que estava na minha frente e trombou em mim, minha bolsa caiu e o outro passou por cima. Meu notebook estava lá, com todas as minhas notas e referências e artigos para a revista. Além das pesquisas, uma que estava interrompida.

Entrei em pânico e fui para casa, procurei o numero de Brian num dos casacos velhos. Liguei chorando e desesperada, ele não podia sair de casa, pois seu cachorro estava doente. Fui até ele.

O apartamento tinha um ar bem masculino e não tinha vestígios de fêmea por lá. Era só ele e seu cão. E a moça bonita deveria ir lá às vezes. Eu devia ser sua amiga geek pré-histórica. Amiga... Eu tinha um amigo? Eu o considerava assim?

"Ah, você não perdeu nada, só consertar essa peça aqui, mas eu tenho um que não uso, vou passar tudo pra lá. E mais cuidado por aí."
"Sabe, estou triste e não sei o porquê. Deveria estar bem já que consegui o que eu queria lá na editora."

Ele se preocupou comigo e me ofereceu uma bebida quente e disse para eu ficar lá um tempo. Buscou Roos em casa e fiquei por lá. Os quatro.

Ross e Greek se deram muito bem. Greek, o cão gigante.

Assistimos a um filme engraçado e eu ri bastante, não fazia aquelas coisas. No fim me deu sono e disse que ia embora. Mas ele disse que era tarde, que eu poderia dormir por lá.

"Eu quero que você fique. Tá divertido. O Roos tá gostando!".

Dormi por lá e na manhã seguinte acordei com algo me acariciando...

"Roos? Greek?", e dei um grito, era Brian. E assim que tentei me mover, ele me acalmou e acabou por me beijar. Desses beijos de cinema, telenovela, essas coisas que só vejo em telas grandes. Nunca na tela em que se passa a história da minha vida.

"Sua namorada!!!", gritei, não tive tempo de ouvir a resposta, somente vi uma cara de interrogação. Peguei Roos e fui para casa. Novamente não saí nem atendi ninguém por um tempo, foi quase um mês. Me aprofundei numa pesquisa que retomei e fiz mais alguns artigos para a revista.

Nesse meio tempo confuso, ouvia passos em meu apartamento, passos silenciosos, de felino. Ouvia miados, apenas abraçava Roos e ele me protegia, mesmo com um décimo do meu tamanho.

Foram noites e noites assi. Roos ouvia às vezes. Era Kennedy, agora que tinha me apegado ao cãozinho, ele aparecia, e eu entendia que tinha sido uma péssima dona.

***

Numa tarde de clausura, a editora me ligou, me propondo um livro, inteiramente meu, que fosse vendável e que tivesse a minha essência, para eu lhes mandar algo no prazo máximo de dois meses e minhas férias iam acabar.

Não saía de casa senão para as necessidades básicas. Brian sumiu. Nunca mais tinha o visto, quando ia para o café para ver se o encontrava por acaso ou quando levava Roos para jogar frisbee, já estava mais encorpado, crescera rápido. Me disseram que ele havia se mudado pois seu cão adoecera e foi tratar dele em outro estado. Mas não sabiam de seu paradeiro.

Seu número não tinha mais. Se foi junto com milhares de papéis inúteis.

Assim me pus a escrever e a ser atormentada por um gato-fantasma. Nada do que escrevia estava bom. Chorei noites e noites seguidas e Roos chorava comigo. Era meu melhor amigo e o remorso aumentava cada vez mais.

Não achava idéias para o livro, procurava inspiração em outros livros, em músicas, em exposições de arte, nos meu recortes, nos esboços. Entrei em desespero e revirei a casa inteira, joguei coisas no chão enquanto chorava e desmontava tudo. Uma caixa de fotos caiu e rasguei muitas delas, onde tinha minha família que havia me esquecido, meu primeiro namorado que me traiu. A formatura, os ex-colegas. Achei uma foto pequenina, um pouco corroída por traças.

Caí sentada e dei um grito. Uma foto de Kennedy comigo, ele apertava a cabeça contra meu peito, ouvia até seu ronronar, ele me acariciava e eu com um semblante frio. Apertei a foto contra mim e chorei a noite toda, Roos se afastou como se quisesse me deixar com minha dor, como se tivesse mesmo que passar por aquilo. Dormi alí mesmo no chão frio da sala, agarrada a uma almofadinha que achei debaixo de um móvel antigo. Era seu brinquedinho preferido.

A foto quase de desmanchou com minhas lágrimas. Solucei tanto que vieram saber o que havia acontecido à jovem solitária do sexto andar.

Após um bom banho, recolhi tudo e recomecei a escrever, no notebook de Brian, agora chorava sua ausência e a de Greek também, apesar de nunca ter deixado me apegar a nenhum deles.

***

O prazo havia se esgotado. E o livro estava pronto, mandei-o pela manhã para a editora e tudo estava indo bem. Menos minha saúde. Por não fazer outra coisa senão escrever. Ler e escrever. Não me alimentava direito, mas continuava a levar Roos todos os dias para passear. Me tornei uma exímia dona. E mesmo muito atarefada arranjei tempo para visitar a família e bater papo com os vizinhos.

Reencontrei o rapaz que havia conhecido na biblioteca em uma das minhas visitas para pesquisar obras de arte. Conversei com ele, que quis me dar seu número novamente, mas dessa vez não aceitei por não querer sair com mais ninguém, mas que poderíamos ter boas conversas por lá mesmo.

Minha mudança foi tamanha que até minha forma de vestir ganhou um novo olhar. Já não usava as roupas de velha, mas ainda continuava com minhas roupas que combinavam com minha forma estranha de ser.

Alguns meses depois fui convidada a ingressar num importante programa de restauro de patrimônios e logo meu livro seria lançado. Eu estava no ápice da felicidade, mas alguma coisa ainda me deixava mal.

Mandei convites do lançamento do livro para muitas pessoas que agora faziam parte da minha vida. Seria na livraria perto do Café que costumava ir.

***

Logo chegou a noite do lançamento e o coração apertado, por tantas perdas e mudanças repentinas, apenas Roosevelt continuava fielmente do meu lado. Me preparei e fui com uma roupa elegante, cumprimentei meus convidados e conversei bastante. Tirei muitas fotos e senti que estava vivendo de verdade pela primeira vez.

Olhava para a foto restaurada de Kennedy que ilustrava a capa do livro "Querido Kennedy".

Chegou a hora dos autógrafos e eu me sentia vazia. Sentada na cadeira vermelha com uma fila à minha frente. Sentada e olhando para as pessoas, assim como naquele dia frio sentada no banco da praça. Assim como no dia em que vi a felicidade através do abanar de rabo de um serzinho tão radiante como Greek.

A fila foi andando e fiquei horas ali sentindo esse vazio. Como repetidas vezes, o próximo da fila:
"Com dedicatória à?"

Quando ouço uma voz interessante, acompanhada pelos cabelos sendo expulsos da face por um movimento ligeiro:

"Ao dono do cachorro que te amedronta."
"E você não sabe o quanto foi difícil eu entrar aqui novamente."

Era Brian! E eu sorri de verdade e levantei e pulei e o abracei. Meu amigo Brian. Depois do susto e da surpresa... "E Greek?"

Greek havia morrido há uns dias atrás. Uma doença complicada, ele gastou muito e tentou de tudo, mas os anjos levam crianças, animais e qualquer outro anjo quando chegada sua hora.

***

Dias depois fomos ao cemitério de animais onde Greek havia ganhado uma lápide com uma singela homenagem, foi quando percebi o sentido de todas as coisas que acontecem, foi quando Kennedy me veio à cabeça e quando Brian olhou com lágrimas nos olhos, por saudade do amigo. Eu encarando a lápide:

"Ah Kennedy, eu te amava e nem um enterro descente eu te dei."

Chegando em casa, Roos estava deitado na cama e veio nos recepcionar, fiz festa e logo nós três brincávamos no tapete. Rolei por cima de Brian e olhando seus cabelos que não paravam por um instante longe da face, admiti:

"Você me faz me sentir como Kennedy queria que eu me sentisse e eu o tratei como trapo. Eu quero te amar, coisa que não pude fazer a ele. Às vezes são esses bichanos mesmo que nos ensinam o que é o amor. E só pedem carinho em troca, às vezes nem isso". Disse dirigindo meu olhar para a pequena cômoda, onde montei um altar para meu querido Kennedy, na véspera de Natal.

domingo, 27 de novembro de 2011

A virgem de Nero

Queimo vossa face rubra,
Antes que teu corpo cubra.
Antes que a paixão perdura,
Encontro em teu seio a cura,
A cura para minha loucura.
Ah se foste assim perfeito,
Teu corpo nu em meu leito.

domingo, 16 de outubro de 2011

Almíscar



Alegorias de cores nobres passam por meus sonhos. Imagens pobres e tórridas. Tudo em um único segundo, seguido pelo meu próprio estrondo. E desperto e sua face medonha está a me assombrar. Logo os dois lados de meu corpo se congelam e me recolho na posição que mais me conforta. Até em meus sonhos fujo do convívio, fujo de seu convite libertino.

É com dificuldade que separo minhas pálpebras. Somente para verificar se as entidades se foram. Seu rosto não mais está, mas a ameaça de sua presença é iminente. Dirijo-me com cautela até o espelho antigo e oxidado. Meu corpo se tornou frágil e pálido nesse sonho em sépia.

Meu único desejo é o tédio reconfortante. Como o abraço daquele amante, aquele que nunca foi verdadadeiramente o seu. A cada tilintar de idéias meus olhos se perdem mais e no espelho já não mora.

E eu não tenho mais amigos, nem parentes, nem ente algum. Meus amigos não são mais do que extensões de meus próprios devaneios. Assim como o amante que não veio.

Tudo que se julga vivo, morto estava para meu alívio.



[Almíscar] me lembra dor, sofrimento. Abaixo, como é produzido:

Almíscar - Não Use

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nero e Eu II



Perdemos o sentido?
Não te dou mais ouvido?
O que há, Nero querido?
Eu que tenho te escondido?
Ou eu que ando deprimido?
A vida confusa e os sentidos.

Não quero calar-te
Não quero afastar-te
De tudo fizeste parte

Nero, amor!
Como se não bastasse o calor
Não bastasse o clamor
Nero, sem ti eu não sou

Uma parte que me faz sonhar
Outra que me faz amar
Todas a me entregar
Estou aqui a desabafar

Dá-me ouvido
Meu querido
Iludido
Aturdido

E assim vamos vivendo
A sua loucura te conduzindo
Minha neurose nos consumindo
Assim vamos nos munindo

Unidos contra o mundo
Contra o meu ódio profundo
No âmago destruído
Num amargurante gemido

Nero, dá me ouvidos?

Eu toco sua lira profana
Eu queimo sua cidade insana
Abraçados ao caos de nossas almas
Aqui Nero, me acalma
Me salva e me toma

E o prazer assim retorna
Na concha infernal que nos deu a forma

domingo, 21 de agosto de 2011

Amarras

Estou segura
Dentro do olho do furacão
Longe das imagens aterradoras
Eu não consigo me ver nelas

Minhas linhas de pensamento
Se materializam
Enforcam-me

Um grão de areia
Que é expulso do furacão
Lançado a toda velocidade
Se juntará com outros
E se torna novamente areia

Olhos perdidos
Luz e ruído
Trancafiada
Numa caixa vermelha

Fui presa pelas minhas paixões
Perco o sentido e o desejo
Me chicoteiam até que a carne se solte
Mascarados e sorridentes
Todos eles me odeiam

Sente-se o drama de suas palavras
Fui apenas a cortesã rebelde
Que se acanha e não se abre
Que cospe nas mãos que vieram lhe despetalar
Mas sorri num prazer secreto

Garotas virgens na mira
Aquelas por quem esperei
Canto tântrico de liberdade

A caixa se abrira
A luz me devolve a visão
E as paixões se dissolveram
Resta um, o que tem a espada nas mãos
Irá me decepar
Ainda assim sorrio em agradecimento

No final ele morre
Pois se eu me vou
Deixa de existir em mim

Apenas cinzas de um incenso
Seu odor que se espalha
E morre em seguida

Não passou de ferida
Que se cura e se mata
E não mais desata
Pois já cicatrizou

Nunca existiu agora
E no passado não mora
O vácuo, o nada
Que ainda assim incomoda

Me desamarra, me solta!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Crias da Megalópole

Eu já disse que te amo hoje? Se eu não disse é porque não preciso disso. Porque sei muito bem o quanto te quero e para quê repetir todos os dias? Eu tenho certeza!

Eu acordo todos os dias e penso em tudo e em todos. Eu olho para o sol ou para a chuva e sorrio. É mais um dia e eu estou bem, eu supero. Eu deixo me levar pelos ventos da cura. Eu tento me reerguer e a cada dia eu dou mais um passo.

Eu vou vivendo a minha vida com as minhas neuroses e chiliques. Um dia ruim outro pior, um melhor que todos. Assim é. Assim vou lembrando de você, dele, delas. De todos.

Se não te digo que gosto de estar com você é para não nos afastar de repente. É para ir levando as coisas e eu bem sei que tudo que nos afasta, nos aproxima. Eu bem sei que a qualquer hora os ventos podem mudar de direção e se faz um vendaval, estou dentro dele e você já bem longe numa casinha de madeira.

O que me preocupa é ouvir o seu "eu te amo" todos os dias. Vai ver é o costume. Se um dia eu te disser 'eu te amo' repetidas vezes, de modo rotineiro, se preocupe! Pois aí sim pode estar surgindo outros sentimentos ou morrendo alguns e a necessidade de afirmar para si mesmo que não se deve abandonar recai em um "eu te amo", desesperado. De forma a dizer "será que eu amo mesmo?" eu me preocuparia.

Mas o amor é coisa complicada, é assunto pra poeta, pra boêmio, pra bêbado e para mulherzinhas. Não me sinto mal em desprezar o amor, porque sei que ele a cada dia tenta me vencer, a cada dia me aplica uma nova lição, que é para ver se eu enlouqueço.

E não é que às vezes dá certo? E porque tratar sentimentos banais como amor? Oras tudo tem amor, é ele quem move o mundo ele e seu meio irmão, o ódio. Quando os dois resolvem se encontrar, sai de baixo que aí vem a prima que vem de malas cheias, a neurose, com sua amiga psicopatia e mais uma leva de doidos que nos tiram do sério.

Mas as criaturas que não dizem não significa que não sentem, não sofrem. São caladas e individuais demais para padecer de tal doença, dessa febre que nos queima. São fortes demais. Ou tão fracos que se trancam em si mesmos ou que despejam suas frases prontas por aí. É tudo questão de ponto de vista, pois tudo aqui é visto de maneira isolada, pois poucos têm idéia de que vivem num conjunto, num mundo.

As pessoas nem sabem o significado de mundo, de população, de pessoas. É tudo um amontoado de terra ou de carne. Ninguém nem sabe o que é o espírito. "Ah, é aquilo que tem dentro de você, como recheio", é mais. Não está só dentro de você como está no mundo, tudo ligado. E cada qual com sua ferida, com seu amor perdido.

Pois é amor aqui, amor alí... Cansei de tanto ouvir essas palavras por aí a fora. De tentar vivê-las por aí a fora. A cidade é pequena e encolhida demais para deixar esses sentimentos se expandirem. A vida noturna é fria demais para deixar se esquentar. As pessoas são pequenas demais para viver coisa tão grandiosa assim.

É mais fácil não se apegar, não amar, não olhar, não admirar. Tudo rápido e vinte e quatro horas como em todas as metrópoles. Pois a atmosfera é muito rarefeita para esses aromas inebriantes.

Porque se tornou natural se defender das coisas mais inofensivas da vida, pelo descuido dos que não sabem amar e não sabem se amar. Como todas as coisas, um depende do outro e nesse clima holístico que a cidade não tem, dá crias individualistas e medrosas, presas fáceis e caçadores hábeis. Pena que não contaram a eles que estão de passagem. Não lhes disseram que não vão levar da vida os sentimentos levianos, os não-sentimentos que de nada valem. Que pena, não contaram.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Fantasmas




Seus fantasmas insistem em me perseguir
Nos devaneios, nos sonhos
Sempre a sorrir

Leve-me para o lugar onde eles ainda estavam vivos
Para as memórias frescas e vistosas
Arranque-me um sorriso

Eu ainda lembro de seus olhos me evitando
Lembro deles, tímidos e perdidos
Assim como você me parecia

Já não existe nada
Já não faz sentido algum
Mas aqui em algum lugar fica
E sempre teima em ir

Te despachei mil vezes
Por que me atrapalha tanto?
vá por aí viver sua vida
Solitária ou não

O fato é, meu querido
Já me deixou a tempos
Meu coração ainda te mantém quente
Em um ninho onde se espalha

Como doença, como vermes
É sujo, é decadente
Me consome

O seu amor me parasita
E abre espaço para outros
E os devora, assim indecoroso

É psicótico!
Um fantasma que nem Freud explica
Nem padre exorciza

Me rende e me prende
Onde estão as algemas que mal as sinto?
Livre dentro de um presídio

Meu suicídio de cada dia
Meu doce amargor de cada noite
Ainda que me deixe experimentá-los
Ainda que me deixe amá-los

Não me livra das correntes de seus atos
Atos mal decifrados
Gestos mal expressados

Banhada numa indecisão
Decido deixar-te afundar
Afunda-se em mim
Morra aqui dentro

Mas te peço, não me perturbe!
Não me acorde desses sonhos!
Não me faça visitas noturnas!
Liberte meus fantasmas!
Liberte seus carmas!

Abata-os sobre qualquer cabeça vazia
Sobre qualquer peito mal-amado
Deixe seu retrato espalhado
Mas me tire a visão

Esteja em qualquer lugar
Mas não me faça te notar
Não estarei mais aqui para ti
Não estarei mais querido
Te guardei num porão

Grite, esperneie, mas não
Não volte a me procurar
Não em meus sonhos
Sumir eu proponho

Assumidos meus medos
Assumidos meus desejos
Somente um beijo
Somente o vejo

E assim ficou
Intocado porém rasgado
Assim avassalador
Invadido sem invasor

Mas as chamas que aqui ardem
As que alguém colocou
Te queimarão
Deixará de existir querido

Há de se extinguir
Mesmo que queime a mim
Uma parte de mim
Serei feliz imperfeita

Fantasmas dilacerados
Anjos foram libertados
Queimados em suas conchas
E suas cinzas já não me fazem sentido

Desapareça querido!
Apenas mais um indivíduo
Mas eu duvido...
Ah, eu duvido...

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Frio

Está frio e tudo me congela
Desde a mais externa camada de roupa até meu coração
Rezo nessa noite a mesma oração

Peço perdão por gelar certos sentimentos
Por ser ingrata e indelicada em muitos momentos

E o vento que me corta mesmo estando a sós
Trancada num quarto sem portas, janelas ou sol

E o poeta me recita algum poema inaudível
Na ausência da minha mente e de um sonho iniludível

Mandei todos os anjos embora
Para o deserto escaldante, lá fora

Somente nessa caixa tudo se torna cinza
E tantos graus abaixo, o corpo desliza

É a neve aqui
São meus carmas
Caindo sobre esta pele arroxeada
Com flocos de neve adornada

Há um fogo em algum lugar
Houve um fogo a se apagar

Não soube mantê-lo
Não soube acendê-lo

Outro há de vir em seu lugar
Outro há de me tirar da caixa cinzenta

É o gélido outono a me atormentar
E o inverno que logo me visitará

Toda a névoa que esconde meu olhar
Ainda o desnuda e o faz se revelar

Carrego as lágrimas úmidas a congelar
Carrego o coração em forma de gelo a quebrar

Todo o sentido que pôde fazer
E toda a história que se fez perder

De nada vale
Nenhum raio de luz aqui cabe

Nenhum rosto além do poeta que ainda fala
Ainda procura suas palavras em minha voz calada
E meu corpo camuflado de pele alva

E houve o tempo em que andava pelas esquinas
A procura de algum corpo quente
De um amante de repente
E acabava caindo em armadilhas

Todos os ventos do mundo
Toda essa camada gélida
Toda essa canção sem um fundo

Tudo o que me abalou
Hoje recai num drama profundo

Era o meu e o seu grito
Era tudo o que não foi dito

O teto se abrindo era meu espírito
E aqueles à espreita eram os anjos

O calor entrando e tudo se aquece
Como meus sentidos te pediram numa prece
E o deserto penetra através das frestas
Do cubo, derretendo-se as arestas

E o único que não pôde me aquecer
Que me colocou na cinza escuridão branca
Que desnorteou meu olhar
Me fez perder o foco
Me fez te desmerecer

A gratidão é por tudo
Tudo o que não queimou
Pelo que está intocado
Pelo precipício que ficou

Amores e calores a cada esquina encontro
Ingrata fui por não esperar pelo tempo
Pois anseio por cada fagulha que possa me atingir
Pois já disse, não sei me dirigir

Hoje tudo está parado
Para ti ficou inacabado
Para mim mais do que explicado
E nada passou de atos equivocados

Hoje lembro com desgosto
Que um fim não teria posto
Se tivesse me aquecido
Se tivesse me mantido

Eu corri e eu ainda corro
Em teus calores nada encontro
Nada que vá me queimar
Nada que sua geleira possa atenuar

Enfim os anjos se foram
E quantos mais estão por vir?
E quantos infernos me apetecem?
E quantas vezes eu vou rir?

O poeta me olhou pela ultima vez
E agora ouço seu poema
Seu nome, Nero, diz com prazer
Me prende em si e me queima

Frio está em algum lugar
Algum gelo que não hesitou em ficar

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Espelho ao avesso


A dama havia saído do banho. Depois de uma noite agitada no centro. Com milhares de pessoas importantes. Com todo aquele teatro. Aqueles encantos antigos dos jovens a pageá-la, a cortejá-la. Cansada de toda essa coisa.

Pousou em frente ao seu espelho gigante de moldura dourada, ornada com lindas volutas, voluptosas como seu delicado e embriagante corpo. Sentou-se na cadeira de estofado verde musgo que contrapunha com seu batom carmim.

Seus cabelos louro-escarlate. Uma cor somente dela. Talvez próprio para aquela dama. Pendiam sobre seu manto verde, verde filho daquele da cadeira, ainda vívido.

Se olhava e penetrava o olhar através do espelho. Agora se via através dele, atrás dele, nele e o espelho agora assistia a dama a olhar-se.

Fazia gestos com a cabeça, mudando de ângulo. Afastava o cabelo da face, prendendo-o de forma desorganizada, como se para somente ver o que estava encobrindo.

Desceu o manto até os ombros e foi deixando-o cair. Filmando-se. Sua iamgem a agradava. Podia não ser a mais bela de todas, atraía os homens errados. Mas ela gostava.

Percorreu seu olhar por todos os cantos do espelho que revelava uma sala forrada com tecidos adamascados e cortinas de veludo na cor vinho com detalhes em ouro envelhecido. Uma iluminação sutil, que a tornava uma pintura renascentista.

A tez branca como leite e rosada como as bochechas das virgenzinhas. Um outro ponto foi chamando-lhe a atenção assim que descera a capa caíndo em seu colo. Duas auréolas delicadas e com aparência macia como pêssego. Logo que viu encolheu o corpo dando volume aos seios pequenos e enrijecendo os pontos rosados.

Sua face corou levemente, de forma virginal e inocente. Suas pernas juntas se contorciam pela vergonha que sentia, apesar de estar só. Encarou-as e foi as separando de leve revelando outra cena oculta.

Suspirou e mordeu os lábios, fechando bruscamente as pernas. Pondo as mãos no peito e respirando um tanto assustada. Sorriu discretamente. Acariciou um dos joelhos e foi puxando-o forçando a se abrir. Assim como as flores mais belas que vão se abrindo ao passar dos dias, com o toque quente e suave de cada sol da manhã.

Viu-se totalmente num ângulo obtuso. Revelando sua intimidade que pulsava de forma tímida. Sua respiração a condenava, ofegante e irregular.

Hesitava em mexer as mãos, em mover-se. Mas foi adimirando cada pulsar e cada sensação que lhe percorria o corpo todo. Apertou os seios que mal enchiam suas mãos.

Levou uma mão à boca como se tentasse silenciar sua satisfação. A outra descera até o ventre e alí parou. Alí era seu limite. Quis fechar-se mas não conseguia. Ansiava muito, muito.

E então desceu e desceu. Segurando-se num dos braços da poltrona que abraçava seu corpo participando daquele rito. Segurava como se fosse cair a qualquer momento, como se fosse seu amante.

Sentiu uma pequena corrente elétrica passando por todo o seu corpo, e voltando a origem. Seus dedos tremiam mas sabiam bem o caminho e logo sentiram as pétalas ornadas por orvalho, úmidas como na manhã. Tocadas pela neblina que respira ofegante a ausência do calor do dia.

Lá se foi. A dama corava e jogava sua cabeça para trás, se afundando na poltrona. Ainda tentando conter seus gemidos tímidos de moça virgem. Ainda tentando esconder-se de seus olhos.

Mas o espelho a fez encarar-se e então sentia mais e mais a vontade de virar ao avesso, de entrar em si mesma. De continuar aquilo que nenhum rapaz a fizera sentir nunca na vida. Com todas as suas tentativas.

Ela amava somente a si mesma de forma a nunca entregar-se por inteiro. Reservava um pedaço para ser somente seu, somente de seu acesso.

Seus olhos se encaravam, e o fogo que neles brilhava punha mais desejo em seu corpo. Como se agora nem ela pudesse se satisfazer, nem um rapaz, nem um ser divino. Seu rosto tornou-se diabólico e as mãos não eram mais as suas.

Mas um último gemido de luxúria trouxe de volta a garota pura. Que se desmanchava na poltrona. Violada por si mesma.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Leviana obsessão

Lancei-lhe meu último olhar
E um primeiro feitiço
Não me importava suas vontades
O que tinha que ser feito
Tinha que ser feito

Não importava as consequências
Somente era para ser meu
Aquele foi seu último sorriso

Penúltimo
O último será no dia escolhido
Quando apertar sua face
Até deformá-la
Formando um leve sorriso

Mesmo que horrorizado

Aquele anjo pôde descansar
Sua missão acabou
Tenha suas asas rasgadas
E se torne um humano errante

As vozes me dizem
Roo minha própria carne
Olho em teus olhos aturdidos
Ouço-as emergir

Meu Deus! Como te perdi de vista?
Somente olhei para o lado
E nem estava mais a ver a vitrine

Como foi-se e não vi?
Como ela te encantou?

Te odeio a ponto de amá-lo
De se tornar o ponto inicial
E o final de minha vida

Eu te amo
E não importa o que faça
Ou o que diga
Assim será em minhas mãos

Seu sangue assim transcorrerá
Meu amor de todas as tardes
Meu único feitiço noturno
Eu me despetalo a cada toque seu

Ajoelhe-se
E diga que me ama
E que quer se acabar
Pelas mãos de sua amada

DIGA!
DIGA!
ORDENO!

Um empurrão
E meus punhos estão em sua carne
Puxo-os, ahhh estou me derretendo
E meu amor é puro

Geme e seus cabelos colam em sua face
Sente dor? Ainda vive?
Não importa o que diga agora
Está no fim e eu fui sua última

Não importa o que tente
Eu te amo e não poderá mudar isso
Não poderá voltar todos os momentos
Não poderá consertá-los

Um feitiço mau feito
Não te trouxe a mim
Eu tratei de cumprir o destino
O carma meu bem!

Seu coração agora está em minhas mãos
E sangra desenfreadamente.
Você disse que nunca ia ser meu
Agora, o que se arrisca a dizer?


*Baseado na música de meu queridíssimo Marilyn Manson

segunda-feira, 28 de março de 2011

A torta de morango


Você chega numa doceria, naquela que você sempre vai e sempre admira seu doce preferido e sabe que é o melhor de todos, a torta de morango! Então se debruça no balcão como uma criança e pede a sua torta de morango.

- Ah! Essa você não pode comer, está reservada. Mas tem a de limão.
- Ahhh...

Fica triste e que coisa! Ainda quer comer um doce, nem que seja a torta de limão, ligeiramente azeda. Pede um pedaço, e come imaginando a de morango, quase que sente o sabor, mas logo vem aquele azedinho e te dá arrepios.

- Uhhhhh...

Ainda queria a de morango, a vistosa e apetitosa torta de morango. Quem sabe outro dia, quando passar pela doceria, ela não vai estar lá, esperando por você?

Tortas de morango, tabuleiros de xadrez. Às vezes as imagens que formam em minha cabeça lembram algo como 'Alice no País das Maravilhas'. Porém no meu sem tantas maravilhas.

- A rainha! - sim, ela passa por mim de sopetão. Com a bendita torta nas mãos. Devo ir atrás dela?
- Espere!
- Diga querida! - com o sorriso mais doce do mundo, ela é enorme e se curva um pouco para me ouvir. A torta não é mais a mesma, a de limão.

A figura vai encolhendo e fica um pouco maior que eu, suas ligas vermelhas aparentes, com os dedos sendo saboreados, o glacê e o creme azedo.

- Quer provar, doçura?

Não é isso o que eu quero. Morangos não são para mim.
Eles sempre me deixam com feridas. Strawberry gashes all over, all over.

Um cavalheiro, entra na doceria. Eu acordo de meus devaneios. Ele pede uma torta de morango para a moça. Ela entra e em instantes volta com a torta.

- Mas...
- Ah sim, é uma reserva.
- Ah tá...

- Mocinha, você gosta de torta de morango?
- Sim, muito! Mas sempre me fazem mal depois.
- Sério? Que coisa. Pois essa eu pretendia comer aqui, acompanhado de uma dama. Que não sei por qual motivo, não apareceu. Me dá essa honra?
- Oh, nem sei o que dizer.

Puxou uma cadeira e me deixou comer o primeiro pedaço. Ele me fitava e eu desacreditando que estivesse comendo a torta que eu mais amo. Com certeza ela me fará algum mal depois.

- Gulosa! - e sorri delicadamente.
- Me desculpe, eu ansiava tanto por ela... Perdi meus modos.
- Fica linda comendo assim.

Ah, eu coro e fico da cor da decoração da loja, vermelinha vermelinha!
Então ele também começa a saboreá-la. Esboçando sorrisos convidativos. Era um deleite toda aquela cerimônia. Até que acabamos com o doce.

- Muito, muito obrigada mesmo! Você tornou meu dia feliz!
- Eu sempre venho aqui. Coincidência nunca termos nos encontrado. Você é uma doce criança.
- Obrigada senhor.
- Não me chame assim, não sou tão mais velho.
- E eu nem sou tão pequenina assim.

Sorriu e fechou a caixa de forma rápida, fazendo barulho e me encarando:
- E então? Ainda se sente bem? - devorava-me com os olhos.
- Sim... sim... sono...

Assim fui levando, assim fui levada. Essas tortas deliciosas sempre me dão um prazer indescritível e depois de tudo soam como uma droga viciante e que destrói aos poucos.

- Sua cartola... somente ela... o quê? Ahhhn...

Abusa, lambuza e se destrói, bem aqui, dentro de mim.

domingo, 13 de março de 2011

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca



Poetisa simbolista, Florbela Espanca nasceu em 8 de dezembro de 1894. Poetisa portuguesa, vida plena e tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos que soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de erotização , feminilidade e panteísmo.

Escreveu poesia, contos, um diário e epístolas; traduziu vários romances e colaborou ao longo da sua vida em revistas e jornais de diversa índole, Florbela Espanca antes de tudo é poetisa.É à sua poesia, quase sempre em forma de, que ela deve a fama e o reconhecimento. A temática abordada é principalmente amorosa. O que preocupa mais a autora é o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte.

Sofreu as consequências de um aborto involuntário, que lhe teria infectado os ovários e os pulmões. Repousou em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.

Tentou o suicídio por duas vezes mais em Outubro e Novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu o resto da vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu em Matosinhos, no dia do seu 36º aniversário, a 8 de Dezembro de 1930. A causa da morte foi a sobredose de barbitúricos.
A poetisa teria deixado uma carta confidencial com as suas últimas disposições, entre elas, o pedido de colocar no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles (seu irmão falecido) na hora do acidente. O corpo dela jaz, desde 17 de Maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.
Leia-se a quadra desse "admirável soneto que é o seu voo quebrado e que principia assim":
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo outono,
Fecha os olhos, simples, docemente,
Como à tarde uma pomba que tem sono...

Mais em: pt.wikipedia.org/wiki/Florbela_Espanca
Me identifiquei logo que li alguns de seus poemas, numa coletânea de poemas simbolistas: O Simbolismo de A. Soares Amora. Sobre poetas simbolistas portugueses, outro que me chamou atenção foi Teixeira de Pascoais.

Um beduíno



Banido ele foi
Deixado para trás

Arrastado pelo deserto
Dilacerado estava

Perdido e imerso em seus pesares

Como ninguém pôde enxergar?
Foi coberto pela tempestade

Jazia morto-vivo debaixo de toda a areia
Que era leve perto de suas mágoas

Muitas mágoas carregava

Ainda assim ansiava viver
Mais do que tudo

Esticava a mão por debaixo daquela camada fria
Aquela onde o sol não tocava
Fria demais

Até que sentiu um calor nos dedos
Atingira a superfície
O sol

Aquecia sua vontade de viver
Foi lutando e lutando

Ao ver seu bando ao longe
Ao ver o sol
Seu camelo caído

Cuspiu toda a areia que engolira
Respirou ofegante

Olhou ao redor
Somente o nada
O deserto
Sua cidade jazia em poeira
Em ruínas

Não era sua culpa
Ah, não era

Tudo o que pediu foi ser ouvido
Foi amar a pessoa errada
Tentar revolucionar

E estava alí, semi-morto
Seu camelo, seu amigo
Caído

Arrastou-se até o animal
Seus olhos umideceram
Seu único amigo
Mais semi-morto que ele

Soltava gemidos
E uma bala no peito

"Malditos!
Malditos os amigos que cultivei!
Pragas!
Pragas!"

E chorava no peito de seu único amigo
Abraçava-o
E sem mais forças o animal foi se entregando
Pouco a pouco

Numa sinfonia agonizante
Terrivelmente iluminada pela estrela-mor

A pistola, jogada a uns metro a frente
Descendo uma duna

Ela reluzia
E ansiava por ser tocada
Como uma flauta encantadora
Que livrará a dor
Que levará a dura realidade para longe

O camelo apertava as pálpebras
E o homem se arrastava ferido até a arma
E sua alma agonizava, num canto agônico sem fim

Pegou-a
Ainda restava uma bala
E seu amigo queria descansar
Lhe implorava com os olhos chorosos

Não, não teria tal coragem
Antes tiraria a própria vida
Mas a luz do sol o aquecia de uma forma divina
Mesmo sem ter para onde ir
Sem ter pelo que lutar
Nem condições mínimas para viver

Ah ele queria
Queria tentar

Mas seu único amigo estava partindo
Estava sofrendo de forma cruel

Então maldizia a todos
Maldizia seus amigos traidores

Voltou com a pistola
Fitou-a
Fitou o camelo

Pensou em tudo o que já tinham passado juntos
Pensou na vida adiante o que seria
Estava pensativo
Afundando-se cada vez mais em sua alma e na dor alheia

Eis que se ouve um zumbido
E uma nova tempestade de areia

Um avião
Um monomotor
Uma pessoa gritando e apontando

"Ei amigo!
estamos descendo para ajudar"

Despertou mais com os grunhidos do camelo
Do que com o zumbido, ele gemia
Ele suplicava

O avião baixava e um homem lhe estendia as mãos
"Vamos!" e jogava uma corda
"Deixe esse bicho aí ele vai morrer mesmo"

Então encarou o homem contra o sol
Quase se cegando

E diz:
"Sim, eu também"
Abraça a cabeça do camelo
E dispara

Somente um estrondo
Somente um imenso ruído
E um imenso silêncio

Silenciou
Tudo parou
Naquele instante as duas almas já se separavam
Do pedaço de carne semi-podre que jazia alí

Um único amigo
Foi o que lhe restou
Foi o que levou consigo
Um único

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Minha loucura, tua pena, meu amor, tua misericórdia

Aquele sangue, que nunca correu em minhas veias.
Embora seja teu, trazia-me toda a vitalidade.

Eu estava irritada e a faca alí não fazia sentido.
O que você fez? Por que se feriu?

Não te pertenço para se aborrecer assim.
O tabuleiro que me pertencia, atirado ao chão.
Peças quebradas, ah o cavalo!
O Cavalo! Como pôde?

O que te aborreceu? Conte-me, querido.

Corro pela sala, preciso atar o sangramento.
Preciso por a mão em seu peito.
Preciso tirar a dor que guarda aí.
Toda essa melancolia.

O corte não era profundo, não como a fenda que se abriu em sua alma.
Não como toda a dor que coloquei aí.
E sem saber, sem saber.

Sua palidez quase me afogava em minhas lágrimas.
Por favor, fique. Não se vá pela noite fria e escura.
Eram minhas fotos, meus poemas. Tudo queimado.

Aquelas palavras, oh, por quê?
Por que não me parou?
Por que não me beijou?
Não me arrancou a voz?

Tarde demais ou cedo demais.
Minha culpa. Minha arma.
Minha cena do crime.

Perdeu-se em seus limites.
Não aguentou ser como eu.
Viver minha vida e minha rotina.
Não aguentou ser meu guarda, meu amante e meu confidente.

Te contaria tudo, mas agora quero parar tudo.
O sangue... oh Deus, ele não pára.
E você não pára, não se entrega.
Cuido de ti, eternamente.

Sempre te amei tanto, além do comum.
Foi comigo que aprendeu essa neurose.
Essa coisa aí, o que chamam de amor.
Isso te enlouqueceu.

Apoiada na parede te vejo cair.
Se escorando, perdendo as forças.
E a corredeira rubra te acompanha.

Venha para meus braços.
Venha, me recuso a te deixar morrer.
venha minha estrela, me recuso a te deixar apagar.

Cada mundo a que pertencemos está desmoronando.
Está ruindo e seus pedaços irão cair sobre nós.
Assim, abrace-me forte. E esqueça o que te fiz.

Nunca te quis ferido, caído.
Ao meu lado para sempre, foi o que desejei.
Em minha vida, em minha morte.
Em cada pedaço de minha pele, desejei.

Me esqueci de te amar da forma que era.
Mesmo sendo impossível de se concretizar.

Sempre cuidou de mim.
Me guardou e me iluminou.
Sempre foi meu anjo.
Por que tinha que arrancar-lhe as asas?


*Dedicado ao meu amigo Roberth.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

You should know


Você faz parte de tudo o que eu sou hoje.
Você me trouxe aqui.
Abriu a janela e me mostrou um novo horizonte.
Me abriu a mente.
Me surgiu nos sonhos.
Foi meu incentivo nos meu melhores e piores dias.
Fez-me à sua semelhança.
Fez-me te admirar sem limites.
Mostrou-me o que é paixão platônica.
Me ensinou a amar idéias e pessoas.
Me ensinou a te amar e a te odiar.
Cantou em meus ouvidos enquanto dormia.
Adornou tudo ao meu redor com sua imagem.
Fez-me chorar enquanto menina.
Fez-me corar nos devaneios da adolescência.
Cresci e te respeitei mais ainda.
Hoje como ser humano, como homem e como ídolo.
Quero sempre o que vier de ti.
Quero que continue a escrever-me.
Me ajudar a me desvendar.
E sempre seremos o mesmo, eu sempre serei o que chamo de ti.
Sempre terá um pouco do que chamo de mim.
As lágrimas hoje são de emoção.
Pois um simples símbolo não faria isso.
Mas um ser de carne, osso e sentimento como és.
Quarenta e dois anos de existência.
Nove anos de pura admiração e amor sincero.
Mas te dedico minha vida toda.
Os restos de meus dias e a promessa de além deles...
No âmago de meu ser, é lá onde mora sua lembrança.
É de lá onde nem Deus pode te tirar.
vai-se em vida, fica em espírito.
Um pedaço dele estará reservado para cada um que te ama.
Te odeio por te amar tanto.
Por ser meu guia e meu oráculo.
Por ser sempre a perfeição encarnada.
Por simplesmente me influenciar como pessoa.
Admiro sua inteligência, que me faz analisá-la.
Amadurecendo assim também.
E meus sonhos continuarão os mesmos.
E você sempre terá um espaço sagrado neles.
Pois é meu maior sonho.
E já se realizou ao existir para mim.
Vendo-o assim, no meio de uma multidão.
Mais um díscipulo a te seguir.
Ainda assim, Senhor Manson...
Ainda assim és para mim o tudo e o nada.
O ponto essêncial em minha vida.
Mesmo eu não passando de um grão de areia na sua.
Mas com tantos grãos, cada um com suas propriedades...
Tens seu punhado de areia... Tens seu mundo e sua vida.
E todos que estão nela, creio que serão amados ou odiados de alguma forma.
E seremos digno de algo que venha de ti.
Assim como é digno de algo que venha de nós.

Que sempre haja algo te guiando, que seja uma estrela.
Que brilhe sobre nós, que nos aqueça, sempre.

Feliz quadragésimo segundo aniversário! Que a vida se encarregue de esticar essa data por muitos e muitos anos.

Sr. Brian Hugh Warner, que continuo a amar na mesma intensidade que odeio. Agradeço pelos paradoxos.

Com amor ou qualquer outra coisa,

Bi Andrade.

Mensagem traduzida, enviada originalmente no dia 5 de Janeiro de 2011 às 23:34.