Está frio e tudo me congela
Desde a mais externa camada de roupa até meu coração
Rezo nessa noite a mesma oração
Peço perdão por gelar certos sentimentos
Por ser ingrata e indelicada em muitos momentos
E o vento que me corta mesmo estando a sós
Trancada num quarto sem portas, janelas ou sol
E o poeta me recita algum poema inaudível
Na ausência da minha mente e de um sonho iniludível
Mandei todos os anjos embora
Para o deserto escaldante, lá fora
Somente nessa caixa tudo se torna cinza
E tantos graus abaixo, o corpo desliza
É a neve aqui
São meus carmas
Caindo sobre esta pele arroxeada
Com flocos de neve adornada
Há um fogo em algum lugar
Houve um fogo a se apagar
Não soube mantê-lo
Não soube acendê-lo
Outro há de vir em seu lugar
Outro há de me tirar da caixa cinzenta
É o gélido outono a me atormentar
E o inverno que logo me visitará
Toda a névoa que esconde meu olhar
Ainda o desnuda e o faz se revelar
Carrego as lágrimas úmidas a congelar
Carrego o coração em forma de gelo a quebrar
Todo o sentido que pôde fazer
E toda a história que se fez perder
De nada vale
Nenhum raio de luz aqui cabe
Nenhum rosto além do poeta que ainda fala
Ainda procura suas palavras em minha voz calada
E meu corpo camuflado de pele alva
E houve o tempo em que andava pelas esquinas
A procura de algum corpo quente
De um amante de repente
E acabava caindo em armadilhas
Todos os ventos do mundo
Toda essa camada gélida
Toda essa canção sem um fundo
Tudo o que me abalou
Hoje recai num drama profundo
Era o meu e o seu grito
Era tudo o que não foi dito
O teto se abrindo era meu espírito
E aqueles à espreita eram os anjos
O calor entrando e tudo se aquece
Como meus sentidos te pediram numa prece
E o deserto penetra através das frestas
Do cubo, derretendo-se as arestas
E o único que não pôde me aquecer
Que me colocou na cinza escuridão branca
Que desnorteou meu olhar
Me fez perder o foco
Me fez te desmerecer
A gratidão é por tudo
Tudo o que não queimou
Pelo que está intocado
Pelo precipício que ficou
Amores e calores a cada esquina encontro
Ingrata fui por não esperar pelo tempo
Pois anseio por cada fagulha que possa me atingir
Pois já disse, não sei me dirigir
Hoje tudo está parado
Para ti ficou inacabado
Para mim mais do que explicado
E nada passou de atos equivocados
Hoje lembro com desgosto
Que um fim não teria posto
Se tivesse me aquecido
Se tivesse me mantido
Eu corri e eu ainda corro
Em teus calores nada encontro
Nada que vá me queimar
Nada que sua geleira possa atenuar
Enfim os anjos se foram
E quantos mais estão por vir?
E quantos infernos me apetecem?
E quantas vezes eu vou rir?
O poeta me olhou pela ultima vez
E agora ouço seu poema
Seu nome, Nero, diz com prazer
Me prende em si e me queima
Frio está em algum lugar
Algum gelo que não hesitou em ficar