UM BLOG DEDICADO AO SURREALISMO DA MINHA MENTE. COM POEMAS, SONHOS E TEXTOS.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Defenestrei-me



Quando acordei e vi que não mais vivia, apenas extendia minha existência. A cada segundo, a cada respirar. Olhei o espaço vazio na cama ainda com o formato de meu corpo. Por quanto tempo ficaria ali?

A chuva batia violentamente em minha enorme janela no décimo segundo andar de um prédio que tinha em frente à um belo parque. O meu apartamento era o último e o terraço me pertencia nas tardes quentes. Onde ficava de roupa de banho na companhia de meu querido amigo.

Tudo era amarelo e passou a ser cinza da noite para o dia. Tudo perdia-se em seu mais puro sentido. Nem palavras mais me vinham à boca, só me encolhia por causa dos trovões.

Acordei de um coma profundo de confusões e águas negras. Minha mente estava nebulosa e não me permitia pensar a não ser em coisas que já não existiam para mim.

Andei pelo apartamento chorando desesperada, meus ruídos abafavam o caos e o barulho da chuva violenta lá fora. Meu espírito se enchia de mágoas novamente, a cada dia tudo passava e se curava. E a noite tudo retornava em sua pior forma... Com o pior demônio como imagem. E eu o via ensolarado, como o mal nos aparece.

Deitei na cama ainda quente e me encolhi com meu milhares de papéis escritos, frases inacabadas, pensamentos interrompidos e lenços de papel. Uma carta rasgada ao chão, que estava alí há meses e não ousei recolhê-la. Quase que pus uma redoma para envolvê-la.

Me acalmava... vinham imagens lindas em minha cabeça. Assim ficava bem e dormia. Dormia e tinha sonhos ruins.

Acordava como sempre no desespero, já no meio da tarde, comendo meio pão, bebendo meio copo e corria de uma lado para o outro por nada. Sem um emprego, sem compromissos, somente enclausurada no décimo segundo andar. E essa vida não me cabia mais. Não era vida... era prolongar a existência. Na qual já não via sentido.

Me lavei, me penteei, me poli da forma mais bonita e fui olhar pela janela o crepúsculo deixava tudo amarelo, como era antes. Abri a janela e o vento era forte, levando meus cabelos longos para dançar com o vento. Meus óculos refletiam em seu vidro toda a paisagem amarelada.

Encantada com tudo aquilo. Me apoiei no pára-peito e senti a brisa mais fresca. Meus pensamentos clareavam e toda a névoa havia partido. Tudo era como nos dias quentes do terraço, com guarda-chuvinha no copo e tudo mais.

Uma figura me apareceu no céu, flutuando segurando balões coloridos. Meu amigo, ele tinha voltado e me estendia as mãos. Sorri incandescente e meus cabelos quase que me puxavam para fora, meus joelhos já se apoiavam no pára-peito e pessoas se aglomeravam no parque, olhando em minha direção.

Eu nada via, somente os balões reluzentes no amarelo do céu. As mãos queridas me chamando e meus olhos brilhando por trás dos óculos. Tudo se calou e o silêncio se fez música em minha alma. Estendi-lhe as mãos, me pus em pé e dei um passo adiante.

Tudo se tornou como numa foto Polaroid, amarelo-ouro e um tantinho de verde, num gradiente de emoções que faziam minha mente flutuar. Ele me chamou num gesto com um falar meio mudo: "Vem...", como diz à uma criança.

Esvaziei meus pensamentos, abri os braços, as pessoas gritavam. Sussurei um "eu vou"... mordi os lábios e apertei os olhos. Assim, defenestrei-me.