UM BLOG DEDICADO AO SURREALISMO DA MINHA MENTE. COM POEMAS, SONHOS E TEXTOS.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Carta à demêcia

O mundo se desfez em questão de segundos. Você estava a me olhar de longe. Como sempre esteve. Eu cansada dessa monotonia, desse desenrolar todo. Suas palavras sempre me soam como santas e quando as ouço encontro um caminho. Você foi meu deus em alguma era. E as vozes em minha cabeça se excitam com o som de sua voz e sua melodia.

Eu não fui anexada ao mundo dos outros. Estou sozinha e à parte, minhas cicatrizes abrem a cada acorde de sua guitarra maldita. E mesmo suas palavras que escondem tantos significados, me soam vazias.

Ao meu redor somente pessoas vazias, cheias daquilo que não serve para nada. Sem atitude, sem ideologia, somente o que as leva de um lado para o outro. EU ODEIO e o ódio impregnou em mim. Com todos esses anjos ao meu redor, todas as cartas ilustradas com formas angelicais, eu sinto o puro ódio de ser uma fracassada nesse mundo tão idiota.

Agora que encontrei sua xérox quebrada é tardio... muito tardio, pois fui contaminada pelo bicho da verdade, das paredes de vidro, que enxerga as coisas e não passa por cima delas. Evolução!!!!

Eu os odeio! Esses que não saem de seus lugares, que não fazem nada, que me atrapalham.

Eles iriam preferir que eu estivesse morta mesmo. Eu me sinto linda às vezes e fútil e mascarada para me igualar à eles, para fugir da minha neurótica visão do mundo.

Você sempre esteve aqui para me salvar e me reerguer, quando penso que sumiu... Você vive num canto obscuro da minha mente doentia. Da minha mente fantasiosa, desse teatro que existe aqui nessa caixa cheia de massa e sangue.

Te odeio por me fazer assim, por aumentar as vozes na minha cabeça. Eu odeio o amor eu amo o ódio, isso foi o que aprendi contigo! Satisfeito?

E não mais vou sorrir quando o demente voltar, quando me perturbar. Quando vier com sua vida vazia, se encaixar na minha, quando quiser fornicar! Que vá fornicar com o diabo!

Para o inferno!

O tanto que evoluí e me pacifiquei em poucos dias, tudo quebrado. Se assim queria, conseguiu. BASTARDO!!!

Eu me entupo de remédios para olhar para a sua maldita cara! Eu pago analista para poder te ouvir e não vomitar! Eu te odeio por ter que te odiar. Porque é tão patético que eu gosto de me afrontar.

E você, meu deus da loucura. Quando estou para cair me empurra do precipício, empurra-o também. Que se espatife. Vou rir!

Vou rir de você se mijando de medo de mim, porque no fundo sei que é um completo covarde, nada mais do que completo.

Sua torre gigantesca não te garante o direito de ser dono de tudo ao redor, presunção... Acomodação. Como pode ser tão nulo? Não enxerga sua própria merda em meio a toda essa realeza, ao seu olhar superior.

Nasceste à semelhança do meu deus, mas ele vale de algo, ele é completo, ele tem tudo o que você não pode sonhar em ter. Você é o bobo da corte que nos faz rir.

Está dopado por essa sociedade de merda! você não serve para mim você é uma droga! Eu não gosto das drogas, mas elas gostam de mim. Seu merda!

Eu grito palavras de baixo calão e depois me toco intimamente, sou tão imunda quanto a sua cara de culpa, dor ou de ser que não sabe se expressar. Deveria se vender para valer algo.

Por fim, sei que vai voltar com sua demência. Não digo que será tarde, será cedo... terá vindo cedo demais para assistir suas própria morte. Não me subestime, hipocrisia não faz parte do meu repertório, enfie suas malditas palavras doces em seu rabo.

Foda-se seus atos inúteis e suas tentativas frustradas de me domar de alguma forma. Ele criou um monstro, uma fera que vai te estraçalhar, com um doce sorriso angelical no rosto.

Eu já estou aí dentro, já te parasitei como um verme. Mesmo que se livre de mim, estarei em suas entranhas quando morrer, quando sentir as dores vai lembrar da minha existência que para você não passou de nada. De verme mesmo.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Um conto de fim de ano

Sentada estava no banco da praça central. No meio da tarde, esfriava um pouco. E eu estava mergulhada em meus pensamentos. Dentro de minha cabeça parecia que caía um temporal e meus olhos refletiam bem isso.

Um rapaz alto brincava com seu cachorro e eu os olhava, com um pouco de inveja daquela felicidade toda. Entre eles parecia haver uma ligação que eu jamais teria nem com alguém. Não era muito fã de animais, nem de pessoas. Nem de nada.

A vida me deixou um vazio após a morte de um gato que acabei me apegando. Foi no fim do ano que o adotei, mas passei um Natal triste, pois ele ainda não tinha se adaptado à minha casa e fugiu, voltou no Ano Novo somente. Mas foi somente no mês de Maio que criei certo vínculo com o bichano.

Abri minha bolsa e fui procurando uma blusa, havia esquecido. Putz, nunca saía de casa sem uma blusa. Os dois correndo me faziam sentir uma sensação de calor. Até que o frisbee veio em minha direção e bateu no banco, bem do meu lado.

Me encolhi duas vezes, pelo ataque do objeto voador e pelo grande cachorro que vinha babando em minha direção. Morria de medo de cães. E de que o rapaz viesse me dirigir à palavra. Ah e veio.

"Ele não morde!", disse correndo em minha direção e sentando-se ao meu lado, balançando a cabeça para tirar o cabelo do rosto. Tinha uma voz interessante.

"Ele poderia me comer, isso sim!", disse apavorada. Ele somente riu e ficou conversando como cachorro monstruoso. Ele tinha um olhar dócil, mas me amedrontava de alguma forma, lá no fundo do meu ser eu sentia um pavor.

"Passa a mão nele.", fui com a mão trêmula, porém não conseguia, o rapaz riu novamente, risonho e com aquele cabelo que não parava no lugar. Ventava um pouco e ele também começou a sentir frio. Jogou longe o frisbee e o cão foi atrás. Me senti mais aliviada.

O cão era de cor marrom, não entendo de raças de cães. Era grande, parecia ser daqueles que os cegos usam. Isso, eles deveriam ser somente para cegos, só um instrumento... Cães são estranhos.

Bem, ficou aquele silêncio constrangedor, até o cara me perguntar se eu estava com frio. Nem precisava responder, meus pêlos estavam eriçados e eu me encolhia, visivelmente estava com frio.

"Ah eu devo ter uma blusa no carro, vou buscar pra você, cuida do meu cachorro? Ele não foge, é acostumado a ficar por aqui".

"O-ok", respondi com frio e medo. Pensei em sair e deixá-lo ali. Mas não sei, aquele cachorro me causava uma coisa bem intrigante. O medo de perder o medo. Às vezes eu desejava não me apegar a nenhum ser com medo de acabar perdendo um dia.

Como o gato, não gostava tanto assim dele, mas quando ele se foi me causou um vazio extremo, não conseguia mais fazer as coisas mais simples da minha vida. Não chorei, mas fiquei muito triste. A ponto de não sair por meses. De desviar de gatos, de detestá-los.

Fiquei olhando para a cena do cão brincando com outras pessoas. O dono volta e me trás a blusa. "Ah! Mas...", não sabia o que dizer, eu não pedi, sei lá... Nem pensei que era para mim.

"Eu não posso, me desculpe, já me vou.", ainda o ouvi gritar: "Vai morrer de friiio!".

Olhei para trás e o "cãozinho" pulava e o lambia todo. Uma cena nojenta e agradável. Mais uma vez fugi de cães e pessoas. No fundo me sentia com vontade de revê-los.

***

Outro dia estava em casa. A janela embaçada pela quentura do forno. Estava assando um pão, lembrei de Kennedy, quando levou uma bala na cabeça. Assim morreu. Eu senti muito. Ah, Kennedy era meu gato.

Ele dividia as noites frias comigo, sentado em meu colo. Um dia foi atropelado por um policial, agonizava, autorizei a execução. Me despedi com um aceno apenas: "Adeus Kennedy".

Dormi muito mal essa semana, tendo sonhos estranhos e os dois estranhos não me saíam do pensamento, uma inveja tremenda tomou conta de mim. Sem quase o que comer em casa, depressiva pela TPM, fui a um Café.

Pedi um pedaço de torta e me sentei sozinha numa mesa que dava de frente para a rua. O movimento me causava certa tranqüilidade, eu conseguia ver calma no caos e caos na calma. Um dom que não servia para nada.

Olhando as faixas de pedestre e as pessoas atravessando de mãos dadas aos mais novos. Idosos, jovens, executivos e todo o tipo de gente. Eu não me sentia só, me sentia comigo mesma e vazia.

Vi uma face conhecida atravessar a rua, de capuz, correndo na tentativa de pegar o sinal aberto. Empurrou a porta e o sininho tocou. "Me vê aquele capuccino!". Olhou para mim: "Olá moça que gosta de sentir frio!".

Apenas sorri um sorriso tímido e sem gosto. Daqueles que você não espera serem sorridos, que na verdade é uma forma de dar tchau, de desviar, de encerrar uma possível conversa.

Pegou o capuccino e sentou-se à mesa comigo. Olhou pela janela e seu semblante de rapaz de bem com a vida e contente foi sumindo aos poucos. "Há coisas que só encontramos nas pessoas sabia?". E continuou a olhar... Olhava para uma loja de livros: "Ela trabalhava ali".

"Sua mãe?" respondi inocentemente.
"Não, minha noiva. Foi dela que ganhei aquele cachorro. O incrível é que não foi ela quem me ensinou a amar, foi ele."
"E o que aconteceu a ela?"
"Me deixou, por um emprego melhor, por outra vida, por outro cara."
"Triste..."

Achei estranho compartilhar das dores de um estranho, me interessar assim. Peguei meu casaco, minha conta estava paga, estava achando aquilo estranho e resolvi me retirar.

"Hoje não vai morrer de frio!", me sorriu ainda triste e voltou a encarar a vidraça. Lá de fora eu via aquele rosto coberto de mágoas olhando para a livraria. Me senti mais vazia pois havia gostado de ver uma pessoa contente, se divertindo.

***

Acordei atrasada no dia seguinte, procurando meus textos, era o dia de levá-los na editora para avaliarem meus poemas. Não era escritora profissional, trabalhava num museu e às vezes com pesquisas free-lance numa empresa de restauração de obras de arte. Estava de férias, por mais de noventa dias.

Quando passei no psicólogo da última vez, achou melhor que eu me afastasse um pouco do convívio com as pessoas, era um distúrbio de não sei o que. Até hoje não entendo bem, porque meu psicólogo me chamou para passar as férias com ele em Paris. O importante é que tenho três meses para me recuperar do cansaço físico e mental.

Não que não gostasse do que fazia, mas não gostava de ter que me relacionar com as pessoas, às vezes me fechava demais e tinha comportamento estranho, agressivo.

Comecei a sentir falta de Kennedy, novamente, hoje pela manhã, após um sonho estranho em que ele vinha e me fazia carinhos ronronando. Ele nunca me fez isso. Nunca ninguém demonstrou afeto por mim. Por isso saí tão cedo de casa, já que não me identificava com ninguém e ainda não me identifico.

Meus papéis quase que saltavam da pasta. E eu corria escada abaixo, trombei com o vizinho do quarto andar, me desculpei e ele me chamou: "Ei! Deixou cair essa folha".

"Para um grande amor", estava escrito nela. E ele disse: "Por isso nunca aceitou meus convites de tomarmos um chá, me desculpe."

Dei de ombros e arranquei-lhe a folha da mão. Corei. Era somente um poema, nem sempre o que escrevemos é o que sentimos. Não mesmo. Foi numa fase de ódio, fase negra, corroia-me.

Estava no ponto aguardando um táxi e avistei do outro lado da rua o rapaz alto de cabelos esvoaçantes com seu cão e uma bela garota ao lado, abraçando-o de forma calorosa.

Abaixei a cabeça, fiz sinal e entrei no táxi. Em poucos minutos me pus a chorar. E o taxista me perguntava o porquê. Nem eu sabia. Era o nervosismo. Poesia era o meu mundo, se não aceitassem, se me reprovassem não iria mais conseguir escrevê-las.

Nesse dia deu quase tudo errado, havia perdido minhas contas a pagar que logo iriam vencer, cheguei atrasada e perdi a entrevista, voltei estranha e ainda tomei chuva.

Na entrada do meu prédio deixaram um caixote, estava no meio da porta. Afastei com os pés. E algo chorou, era um filhote, um cãozinho amarelado, parecia uma mini raposa. A chuva apertou e eu entrei. Pisei em minhas contas com o sapato sujo de lama.

Haviam deixado lá com um bilhete:
"Moça que gosta de sentir frio, deixou essa pasta no Café. Foi um custo achar seu apartamento, ninguém te conhece.

Ass: Dono do cachorro que te amedronta."

Me passou uma corrente elétrica pelo corpo, o frio. Corri e enchi a banheira. Da grande janela eu via a cidade toda, iluminada, já com decoração precoce de Natal. Sentei na borda da janela enquanto o barulho da água me confortava.

"Kennedy... nunca te fiz um carinho decente".

***

Após alguns dias em total reclusa, produzindo mais e mais poemas para uma segunda entrevista, me vi mergulhada em dúvidas que nunca tinham me surgido antes. Rasgando papéis, queimando alguns na lareira. Me desfazendo de tralhas, encontrei um número perdido, resolvi ligar.

"Por favor, quem fala?"
"Quem gostaria?"
"Me desculpe, achei esse número perdido, pensei que pudesse ser algum conhecido."
"Linda? É sua voz! Linda!"
"Quem fala? Por favor!"
"Eu deixei meu número no seu casaco, faz alguns meses, na última vez que nos vimos na biblioteca, você estava de cardigã vermelho..."
"Desculpe, foi engano."

Desliguei. E me desliguei. E desci as escadas o cãozinho estava ensopado e a caixa já se arrebentara toda, ele tremia e chorava. Peguei-o e subi correndo. Enrolei-o numa toalha e esquentei o leite, enchi a banheira e me pus a chorar com ele.

Ele gania... Como se tivesse perdido o rumo. Estava muito magro e debilitado, devia estar a quase uma semana sem se alimentar direito, meu Deus! Era só um filhote! Um bicho qualquer, eu nem gosto de bichos, como eu chorava.

Dei-lhe banho. Fiz um mingau e preparei uma cama no hall, fora do apartamento. Ele passou a noite chorando e o síndico me disse para ou colocá-lo para dentro ou jogá-lo na rua. Infelizmente não achei uma caixa seca para colocá-lo na porta do prédio novamente.

No meio da noite ele chorou e subiu na minha cama, eu estava cansada demais para despachá-lo e ele dormiu feito um gato encostado na minha barriga.

***

Era fim de semana e todos saíam para passear. Fui ao pet shop e fiz umas compras para o novo hóspede. Lembrei de quando deixei Kennedy no veterinário, após seu tiro na cabeça, quando me entregaram o corpo preparado para o enterro. Eu dei uns trocados para um velho e ele se livrou do corpo. Só não joguei no lixo junto com meus papéis e outros detritos porque os lixeiros haviam feito greve naquela semana, iria apodrecer.

Deixei o filhote com o veterinário e voltei para casa com a quinquilharia toda... No caminho avistei novamente o rapaz alto com seu cão e a moça bonita ao lado. Olhei para mim mesma, com minhas roupas de velha e me senti um pouco mal. Fui carregando as sacolas e ele me avistou, deixando o cachorro com a moça e correndo ao meu encontro.

"Moça que gosta de sentir frio! Hoje deve estar detestando né? Tá um calor! Eu gosto de frio também.", acenou para a garota como se pudesse levar seu cão para a casa e fez sinal que depois ligava.

"Foi fazer compras?"
"Ah não, são só bobagens."
"Eu te ajudo.", e pegou todas as sacolas.

Ele não quis me deixar subir as escadas sozinha e ainda me fez abrir a porta para que colocasse as sacolas num lugar de onde eu não iria mais ter que carregá-las.

"Aconchegante.", disse olhando ao redor.
"Obrigada."
"Posso usar seu banheiro?"
"Sim... Espera!!!", lá fui eu juntar a toalha que sequei o cachorro, espirrar um spray cheiroso e juntar pêlos dele que estavam pelo chão, não tinha tido tempo de limpar.

"Pronto!"
"Começou a chuva..."

Assim que ele voltou, a chuva apertou de forma que parecia que o céu ia desabar.
"Moça, já me vou."
"Ok, leva um guarda chuva."
"Não vai adiantar... Hã... estava esperando alguém?"
"Não, por quê?"
"Posso esperar a chuva amenizar? Desculpe o incômodo."
"Ah, sim."

Um estranho no meu sofá! Um estranho no meu sofá! Mudando o canal da minha TV e mexendo nos meus livros! Tem um estranho na minha casa!

***

Não demorou muito a chuva cessou de vez, mas a conversa estava até interessante, ele já tinha tido experiência com artes e esse foi nosso ponto em comum. Chamei-o para uma exposição que eu iria ser curadora, daqui a uns dois meses. Como eu fiz isso? Eu pretendia continuar a vê-lo? Não, o acaso esteve presente sempre nos nossos encontros.

Fiz um jantar de última hora bem caprichado, eu não estava acostumada a ter visitas na minha casa.

"E o que tanto você comprou?"
"Bobagens."
"Já vi que você é bem reservada, eu devo te causar desconforto."
"Jamais!", disse atônita. Era o vinho branco...

Calei-me. Ele entendeu a mensagem e foi se retirando.

"Aliás, não posso ficar te chamando de 'Moça que gosta de sentir frio', você deve ter um nome, certo?" e mexeu nas mechas que caiam no seu rosto.
"Rita."
"Brian Fantosi. Me chame de Fantosi se preferir."
"Tá".
"Devidamente apresentados, mesmo que tarde, vou indo.", me deu um abraço de despedida ou de apresentação, meu estômago doeu, comi demais.

Assim se foi e eu fui desembalando as coisas e criando um espaço para o novo hóspede temporário, porque assim que melhorasse ia despachá-lo. Não ia criar um depósito de pulgas no meu apartamento.

***

Passei mais dias compenetrada nas minhas produções, o dia da entrevista se aproximava e era minha última chance. Estava louca e meus sentidos me perturbavam, não escrevia coisas de boa qualidade, escrevia coisas estranhas. Coisas de pessoas que se gostam, coisas de pessoas felizes que andam de mão dadas e se beijam. Eu não queria mais sair de casa. Mas precisava de inspiração.

Fui ao parque e lá estava deitada na grama com uma roupa de velha e os cabelos semi-desgrenhados. A moça bonita, lá estava ela, abraçada com um homem mais forte, mais bonito. Me preocupei. Me preocupei muito... Afinal o que era Brian na minha vida? Um conhecido que me ajudou a carregar as sacolas e que um dia me ofereceu uma blusa. Só.

Meu celular tocou e na semana não atendia. Era do veterinário, havia me esquecido do bicho. Caramba! Levei uma bronca porque pensaram que eu tinha abandonado. Bem que ofereci um dinheiro a mais para que ficassem com o filhote de raposa do mato ou seja lá qual for a raça daquele pulguento.

Acabei levando ele de volta pra casa. E todos os dias saia com ele na coleira para tomar ar fresco, conforme indicação médica. Então num desses dias...

"Rita que gosta de passar frio!"
"Olá."
"Adotou um amigo também? Calma amigão.", disse puxando o monstro que queria comer a mim e ao filhote.
"Ah não, ele estava na porta do prédio, levei ao veterinário e quando melhorar vou arrumar um canto pra ele."
"Ele parece estar feliz com você, olha o olhar de gratidão."
"Não, deve ser fome, Kennedy fazia essa mesma cara."
"Kennedy?"
"Sim... Kennedy.", me deu um aperto no coração e voltei pensativa pra casa.

Deitei na cama e o cãozinho se deitou ao meu lado, por uma força oculta o abracei e comecei a chorar e pensei em procurar Brian, ele estava sendo enganado e ia passar pelas mágoas de novo e eu não veria mais a cena que me fazia feliz, o sorriso dele e o cachorro a pular.

"Você não tem um nome... será que precisa de um?... Roosevelt. Você vai crescer e ser tão forte quanto um presidente, assim era Kennedy."

***

Passei diversos dias só na companhia de meus papéis e de Roosevelt. Ele me lambia, pulava e eu achava ruim na maioria das vezes, até que não ligava mais. A cada dia que passava, a memória de meu gato morto se avivava e comecei a sentir o que nunca havia sentido antes, remorso.

Não só por ele, mas pelo sentimento que eu não deixei desenvolver. Pelas pessoas que passavam pela minha vida e eu as ignorava. Eu percebia mudanças e não queria aceitá-las.

Numa tarde, encontrei um papel embaixo da minha porta e era o telefone de Brian. Guardei num casaco que não usava e não saí de casa por duas semanas.

Faltava somente mais três dias para a entrevista que tinha sido adiada novamente há uns dias atrás.

Durante dois dias fui à praça para ver se encontrava inspiração, encontrei a garota bonita com Brian, os dois deitados na grama, mais o cachorro. Me senti estranha e não consegui mais escrever nada. Outro dia encontrei-o na padaria e me escondi atrás da prateleira de tortas.

Ontem ele veio aqui e eu não atendi, fingi que não estava em casa. Somente ao lado de Roosevelt me sentia melhor, estranhamente melhor, a ponto de levá-lo na praça para passear. E a cada dia Kennedy vinha me visitar nos sonhos, como uma assombração.

***

Acordei cedo para a entrevista e deixei Roos dormindo em minha cama, estava frio. Cheguei lá e deu tudo certo, adoraram minhas poesias e me ofereceram uma coluna numa revista literária. Disseram que meus poemas eram ótimos e que poderiam vir a participar de uma compilação.

Fiquei radiante com a notícia! Mas não tinha ninguém para ligar. Não tinha amigos, nunca tinha me incomodado com isso. Não que me incomodasse, mas seria legal dividir com alguém. Na volta ocorreu uma coisa, um cara tentou assaltar a moça que estava na minha frente e trombou em mim, minha bolsa caiu e o outro passou por cima. Meu notebook estava lá, com todas as minhas notas e referências e artigos para a revista. Além das pesquisas, uma que estava interrompida.

Entrei em pânico e fui para casa, procurei o numero de Brian num dos casacos velhos. Liguei chorando e desesperada, ele não podia sair de casa, pois seu cachorro estava doente. Fui até ele.

O apartamento tinha um ar bem masculino e não tinha vestígios de fêmea por lá. Era só ele e seu cão. E a moça bonita deveria ir lá às vezes. Eu devia ser sua amiga geek pré-histórica. Amiga... Eu tinha um amigo? Eu o considerava assim?

"Ah, você não perdeu nada, só consertar essa peça aqui, mas eu tenho um que não uso, vou passar tudo pra lá. E mais cuidado por aí."
"Sabe, estou triste e não sei o porquê. Deveria estar bem já que consegui o que eu queria lá na editora."

Ele se preocupou comigo e me ofereceu uma bebida quente e disse para eu ficar lá um tempo. Buscou Roos em casa e fiquei por lá. Os quatro.

Ross e Greek se deram muito bem. Greek, o cão gigante.

Assistimos a um filme engraçado e eu ri bastante, não fazia aquelas coisas. No fim me deu sono e disse que ia embora. Mas ele disse que era tarde, que eu poderia dormir por lá.

"Eu quero que você fique. Tá divertido. O Roos tá gostando!".

Dormi por lá e na manhã seguinte acordei com algo me acariciando...

"Roos? Greek?", e dei um grito, era Brian. E assim que tentei me mover, ele me acalmou e acabou por me beijar. Desses beijos de cinema, telenovela, essas coisas que só vejo em telas grandes. Nunca na tela em que se passa a história da minha vida.

"Sua namorada!!!", gritei, não tive tempo de ouvir a resposta, somente vi uma cara de interrogação. Peguei Roos e fui para casa. Novamente não saí nem atendi ninguém por um tempo, foi quase um mês. Me aprofundei numa pesquisa que retomei e fiz mais alguns artigos para a revista.

Nesse meio tempo confuso, ouvia passos em meu apartamento, passos silenciosos, de felino. Ouvia miados, apenas abraçava Roos e ele me protegia, mesmo com um décimo do meu tamanho.

Foram noites e noites assi. Roos ouvia às vezes. Era Kennedy, agora que tinha me apegado ao cãozinho, ele aparecia, e eu entendia que tinha sido uma péssima dona.

***

Numa tarde de clausura, a editora me ligou, me propondo um livro, inteiramente meu, que fosse vendável e que tivesse a minha essência, para eu lhes mandar algo no prazo máximo de dois meses e minhas férias iam acabar.

Não saía de casa senão para as necessidades básicas. Brian sumiu. Nunca mais tinha o visto, quando ia para o café para ver se o encontrava por acaso ou quando levava Roos para jogar frisbee, já estava mais encorpado, crescera rápido. Me disseram que ele havia se mudado pois seu cão adoecera e foi tratar dele em outro estado. Mas não sabiam de seu paradeiro.

Seu número não tinha mais. Se foi junto com milhares de papéis inúteis.

Assim me pus a escrever e a ser atormentada por um gato-fantasma. Nada do que escrevia estava bom. Chorei noites e noites seguidas e Roos chorava comigo. Era meu melhor amigo e o remorso aumentava cada vez mais.

Não achava idéias para o livro, procurava inspiração em outros livros, em músicas, em exposições de arte, nos meu recortes, nos esboços. Entrei em desespero e revirei a casa inteira, joguei coisas no chão enquanto chorava e desmontava tudo. Uma caixa de fotos caiu e rasguei muitas delas, onde tinha minha família que havia me esquecido, meu primeiro namorado que me traiu. A formatura, os ex-colegas. Achei uma foto pequenina, um pouco corroída por traças.

Caí sentada e dei um grito. Uma foto de Kennedy comigo, ele apertava a cabeça contra meu peito, ouvia até seu ronronar, ele me acariciava e eu com um semblante frio. Apertei a foto contra mim e chorei a noite toda, Roos se afastou como se quisesse me deixar com minha dor, como se tivesse mesmo que passar por aquilo. Dormi alí mesmo no chão frio da sala, agarrada a uma almofadinha que achei debaixo de um móvel antigo. Era seu brinquedinho preferido.

A foto quase de desmanchou com minhas lágrimas. Solucei tanto que vieram saber o que havia acontecido à jovem solitária do sexto andar.

Após um bom banho, recolhi tudo e recomecei a escrever, no notebook de Brian, agora chorava sua ausência e a de Greek também, apesar de nunca ter deixado me apegar a nenhum deles.

***

O prazo havia se esgotado. E o livro estava pronto, mandei-o pela manhã para a editora e tudo estava indo bem. Menos minha saúde. Por não fazer outra coisa senão escrever. Ler e escrever. Não me alimentava direito, mas continuava a levar Roos todos os dias para passear. Me tornei uma exímia dona. E mesmo muito atarefada arranjei tempo para visitar a família e bater papo com os vizinhos.

Reencontrei o rapaz que havia conhecido na biblioteca em uma das minhas visitas para pesquisar obras de arte. Conversei com ele, que quis me dar seu número novamente, mas dessa vez não aceitei por não querer sair com mais ninguém, mas que poderíamos ter boas conversas por lá mesmo.

Minha mudança foi tamanha que até minha forma de vestir ganhou um novo olhar. Já não usava as roupas de velha, mas ainda continuava com minhas roupas que combinavam com minha forma estranha de ser.

Alguns meses depois fui convidada a ingressar num importante programa de restauro de patrimônios e logo meu livro seria lançado. Eu estava no ápice da felicidade, mas alguma coisa ainda me deixava mal.

Mandei convites do lançamento do livro para muitas pessoas que agora faziam parte da minha vida. Seria na livraria perto do Café que costumava ir.

***

Logo chegou a noite do lançamento e o coração apertado, por tantas perdas e mudanças repentinas, apenas Roosevelt continuava fielmente do meu lado. Me preparei e fui com uma roupa elegante, cumprimentei meus convidados e conversei bastante. Tirei muitas fotos e senti que estava vivendo de verdade pela primeira vez.

Olhava para a foto restaurada de Kennedy que ilustrava a capa do livro "Querido Kennedy".

Chegou a hora dos autógrafos e eu me sentia vazia. Sentada na cadeira vermelha com uma fila à minha frente. Sentada e olhando para as pessoas, assim como naquele dia frio sentada no banco da praça. Assim como no dia em que vi a felicidade através do abanar de rabo de um serzinho tão radiante como Greek.

A fila foi andando e fiquei horas ali sentindo esse vazio. Como repetidas vezes, o próximo da fila:
"Com dedicatória à?"

Quando ouço uma voz interessante, acompanhada pelos cabelos sendo expulsos da face por um movimento ligeiro:

"Ao dono do cachorro que te amedronta."
"E você não sabe o quanto foi difícil eu entrar aqui novamente."

Era Brian! E eu sorri de verdade e levantei e pulei e o abracei. Meu amigo Brian. Depois do susto e da surpresa... "E Greek?"

Greek havia morrido há uns dias atrás. Uma doença complicada, ele gastou muito e tentou de tudo, mas os anjos levam crianças, animais e qualquer outro anjo quando chegada sua hora.

***

Dias depois fomos ao cemitério de animais onde Greek havia ganhado uma lápide com uma singela homenagem, foi quando percebi o sentido de todas as coisas que acontecem, foi quando Kennedy me veio à cabeça e quando Brian olhou com lágrimas nos olhos, por saudade do amigo. Eu encarando a lápide:

"Ah Kennedy, eu te amava e nem um enterro descente eu te dei."

Chegando em casa, Roos estava deitado na cama e veio nos recepcionar, fiz festa e logo nós três brincávamos no tapete. Rolei por cima de Brian e olhando seus cabelos que não paravam por um instante longe da face, admiti:

"Você me faz me sentir como Kennedy queria que eu me sentisse e eu o tratei como trapo. Eu quero te amar, coisa que não pude fazer a ele. Às vezes são esses bichanos mesmo que nos ensinam o que é o amor. E só pedem carinho em troca, às vezes nem isso". Disse dirigindo meu olhar para a pequena cômoda, onde montei um altar para meu querido Kennedy, na véspera de Natal.