domingo, 13 de março de 2011
Um beduíno
Banido ele foi
Deixado para trás
Arrastado pelo deserto
Dilacerado estava
Perdido e imerso em seus pesares
Como ninguém pôde enxergar?
Foi coberto pela tempestade
Jazia morto-vivo debaixo de toda a areia
Que era leve perto de suas mágoas
Muitas mágoas carregava
Ainda assim ansiava viver
Mais do que tudo
Esticava a mão por debaixo daquela camada fria
Aquela onde o sol não tocava
Fria demais
Até que sentiu um calor nos dedos
Atingira a superfície
O sol
Aquecia sua vontade de viver
Foi lutando e lutando
Ao ver seu bando ao longe
Ao ver o sol
Seu camelo caído
Cuspiu toda a areia que engolira
Respirou ofegante
Olhou ao redor
Somente o nada
O deserto
Sua cidade jazia em poeira
Em ruínas
Não era sua culpa
Ah, não era
Tudo o que pediu foi ser ouvido
Foi amar a pessoa errada
Tentar revolucionar
E estava alí, semi-morto
Seu camelo, seu amigo
Caído
Arrastou-se até o animal
Seus olhos umideceram
Seu único amigo
Mais semi-morto que ele
Soltava gemidos
E uma bala no peito
"Malditos!
Malditos os amigos que cultivei!
Pragas!
Pragas!"
E chorava no peito de seu único amigo
Abraçava-o
E sem mais forças o animal foi se entregando
Pouco a pouco
Numa sinfonia agonizante
Terrivelmente iluminada pela estrela-mor
A pistola, jogada a uns metro a frente
Descendo uma duna
Ela reluzia
E ansiava por ser tocada
Como uma flauta encantadora
Que livrará a dor
Que levará a dura realidade para longe
O camelo apertava as pálpebras
E o homem se arrastava ferido até a arma
E sua alma agonizava, num canto agônico sem fim
Pegou-a
Ainda restava uma bala
E seu amigo queria descansar
Lhe implorava com os olhos chorosos
Não, não teria tal coragem
Antes tiraria a própria vida
Mas a luz do sol o aquecia de uma forma divina
Mesmo sem ter para onde ir
Sem ter pelo que lutar
Nem condições mínimas para viver
Ah ele queria
Queria tentar
Mas seu único amigo estava partindo
Estava sofrendo de forma cruel
Então maldizia a todos
Maldizia seus amigos traidores
Voltou com a pistola
Fitou-a
Fitou o camelo
Pensou em tudo o que já tinham passado juntos
Pensou na vida adiante o que seria
Estava pensativo
Afundando-se cada vez mais em sua alma e na dor alheia
Eis que se ouve um zumbido
E uma nova tempestade de areia
Um avião
Um monomotor
Uma pessoa gritando e apontando
"Ei amigo!
estamos descendo para ajudar"
Despertou mais com os grunhidos do camelo
Do que com o zumbido, ele gemia
Ele suplicava
O avião baixava e um homem lhe estendia as mãos
"Vamos!" e jogava uma corda
"Deixe esse bicho aí ele vai morrer mesmo"
Então encarou o homem contra o sol
Quase se cegando
E diz:
"Sim, eu também"
Abraça a cabeça do camelo
E dispara
Somente um estrondo
Somente um imenso ruído
E um imenso silêncio
Silenciou
Tudo parou
Naquele instante as duas almas já se separavam
Do pedaço de carne semi-podre que jazia alí
Um único amigo
Foi o que lhe restou
Foi o que levou consigo
Um único
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